O que este Ministério da Defesa pretende com R$ 500 bi a mais em dez anos?
“Os brasileiros estão pagando para ele vir para cá e trabalhar para mim”. Essa foi a forma pela qual o brigadeiro do ar Almeida Alcoforado foi apresentado pelo chefe do Comando Sul das Forças Armadas americanas ao presidente Donald Trump, como relatou Igor Gielow.
Retomo o episódio para vinculá-lo ao apetite das Forças Armadas brasileiras por mais orçamento. O ministro da Defesa de Bolsonaro afirmou que o gasto militar brasileiro “não é condizente à estatura do país” e reivindicou que ele subisse do patamar atual, de 1,3% do PIB, para 2%.
Seu colega, ministro interino da Saúde, não apenas não reivindica verbas adicionais para sua área como nem sequer executa o orçamento que lhe foi destinado por ocasião da crise pandêmica. A contribuição dos militares bolsonaristas até aqui tem sido aumentar a produção e importação de cloroquina.
Na educação, o quadro é o mesmo. Nenhum dos quatro ministros de Bolsonaro tomou para si a tarefa de prorrogar, com aperfeiçoamentos, o Fundeb —o maior fundo de financiamento da história da educação básica—, cuja vigência vem desde 2006 e expira em dezembro.
No setor da segurança pública, os generais bolsonaristas assistem à privatização, ou milicianização, do setor, que se dá por dois mecanismos complementares: a liberalização da compra de armas e munições e a sua não rastreabilidade —justamente por quem não poderia abrir mão do “monopólio do uso legítimo da violência”.
O que os generais bolsonaristas pretendem com R$ 500 bilhões a mais no seu orçamento em dez anos?
O Plano Nacional de Defesa bolsonarista dá a pista. O texto, ao qual a imprensa teve acesso, destaca a possibilidade de “tensões e crises” no continente que poderiam obrigar o Brasil a mobilizar esforços na defesa de interesses do Brasil na Amazônia e Atlântico Sul (pré-sal).
Nada contra investir em defesa e prestigiar as Forças Armadas. O governo Lula, em parceria com a França e a Suécia, deu impulso, respectivamente, ao projeto de submarino nuclear (Prosub) e à compra de caças (Gripen), com transferência de tecnologia, com intuito de proteger essas áreas estratégicas.
As coisas, entretanto, mudaram. Quando questionado, no ano passado, se cumpriria a ameaça, feita pelo clã, de atacar a Venezuela, Bolsonaro afirmou: “Não vamos falar de invasão, não estamos bem de armamento, nós não podemos fazer frente a ninguém”.
A dúvida que fica é se, além do salário do almirante brasileiro que serve os EUA, o contribuinte brasileiro também vai pagar por uma guerra que não é nossa contra um vizinho que nunca representou uma ameaça à soberania brasileira.
Fernando Haddad
*Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
Artigo publicado originalmente na edição impressa do jornal Folha de São Paulo (18/07/2020)