Em sua coluna na Folha de S. Paulo deste sábado (4), o ex-ministro da Educação Fernando Haddad afirmou que não basta enfrentar Bolsonaro no campo simbólico para afastar os riscos que ele representa. “Temos também que encarar o desafio de superar a (falta de) base material que o sustenta — associada à ameaça de periferização —, recolocando na ordem do dia a necessidade de um projeto nacional”, defendeu.
Para Haddad, se o movimento antifascista quiser ser mais do que a pregação da tolerância em meio à desconstrução do nosso incipiente Estado de bem-estar, ele deve promover a superação das condições “objetivas” que garantem a reprodução das nossas iniquidades, raiz do nosso subdesenvolvimento.
O ex-ministro afirma que a notícia de que “entregadores de apps adotam bandeira antifascista e pedem direitos trabalhistas” mostra que a tarefa é exequível: “a revolta contra a exploração, bem orientada, aguça a consciência e organiza a luta”, completou.
Leia a íntegra do artigo:
A necessidade de um projeto nacional
Muitos analistas têm se perguntado sobre os efeitos das reações do Poder Judiciário —contra Queiroz, empresários, militantes, filhos etc.— às agressões de Bolsonaro.
Elas poderiam ter provocado uma mudança duradoura na natureza do seu governo. O governo manteria sua agenda neoliberal, sem seu complemento fascista de incitar a quebra da ordem democrática.
Já a maioria cética fundamenta seu pessimismo em questões “subjetivas”.
A domesticação do presidente, segundo essa visão, seria transitória; mera pausa para reagrupar as velhas forças do obscurantismo e do autoritarismo que, em Bolsonaro, encontraram expressão política. Dessa forma, suas inclinações extremistas eventualmente se imporiam.
Se, contudo, tomarmos o ciclo longo como perspectiva, vamos perceber que, em uma economia semiperiférica como a nossa, as possibilidades de êxito da extrema direita estão vinculadas à questão nacional.
Em 1998, publiquei um trabalho em que afirmava: “a desarticulação do Estado desenvolvimentista pode trazer graves consequências políticas para as sociedades semiperiféricas; aquelas sociedades que não aceitam os efeitos nefastos da periferização podem inclinar-se para a adoção de práticas do velho fascismo, adequando-as à sua posição na hierarquia mundial”.
Foi o que aconteceu com parte da semiperiferia, depois da eclosão de novo tipo de crise cíclica, contra o qual “as políticas keynesianas se mostram ineficazes”.
Não escrevi aquelas linhas para importunar desenvolvimentistas e keynesianos, mas para provocar a reflexão de que os progressistas deveriam, inspirados pelo espírito que guiou os homens de Estado que inovaram institucionalmente, conceber um novo corpo de ideias se quisessem se opor à onda neoliberal dos anos 1990, retomada, agora, com viés fascista.
Se o movimento antifascista quiser ser mais do que a pregação da tolerância em meio à desconstrução do nosso incipiente Estado de bem-estar, ele deve promover a superação das condições “objetivas” que garantem a reprodução das nossas iniquidades, raiz do nosso subdesenvolvimento.
A notícia de que “entregadores de apps adotam bandeira antifascista e pedem direitos trabalhistas” mostra que a tarefa é exequível: a revolta contra a exploração, bem orientada, aguça a consciência e organiza a luta.
Se quisermos afastar os riscos que Bolsonaro representa, não basta enfrentá-lo no campo simbólico. Temos também que encarar o desafio de superar a (falta de) base material que o sustenta —associada à ameaça de periferização—, recolocando na ordem do dia a necessidade de um projeto nacional.
Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.