O programa Bolsa Família, implantado no início do governo Lula, mudou a vida nos rincões mais pobres do País. O tradicional coronelismo perdeu força e a arraigada cultura da resignação está sendo abalada. A constatação é da socióloga Walquiria Leão Rego, 67 anos, que escreveu com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, o livro “ Vozes do Bolsa Família”, lançado na terça-feira (11) pela Editora Unesp.
Durante cinco anos, entre 2006 e 2011, a dupla realizou entrevistas com os beneficiários do Bolsa Família e percorreu lugares como o Vale do Jequitinhonha (MG), o sertão alagoano, o interior do Maranhão, do Piauí e do Recife. “O Bolsa Família é o início de uma democratização real” do País”, afirmou a socióloga.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Walquiria Leão Rego fala desta transformação, para melhor, que o Bolsa Família provocou nas famílias que foram socialmente incluídas. “De repente se ganha uma certa dignidade na vida, algo que nunca se teve, que é a regularidade de uma renda. Se ganha uma segurança maior e respeitabilidade. Houve também um impacto econômico e comercial muito grande. Elas são boas pagadoras e aprenderam a gerir o dinheiro após dez anos de experiência”, afirmou.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que é um exemplo de pessoa vitoriosa, afirmou que sabe exatamente qual é significado do Bolsa Família na vida de milhares de brasileiros. “Não tem como não voltar aos meus oito anos de idade quando se fala no Bolsa Família, sei muito bem o que significa ser excluída”, afirmou. O programa, na avaliação da deputada, não é uma esmola, não significa o direito de adquirir um alimento. “Ele é um conjunto de oportunidade. É a dignidade, o crescimento, a cidadania”, enfatizou.
Na avaliação da deputada, o Bolsa Família enfraquece o coronelismo porque liberta. “O programa é revolucionário, ele acaba com a manipulação, acaba com aquela cultura do uso eleitoral da esmola. Do dar o alimento hoje e, só dar a comida de novo amanhã se a pessoa fizer o que eles querem. Com o Bolsa Família não tem cabresto, existe a garantia de renda e a oportunidade de profissionalização, de acesso à educação e de cidadania. É por isso, que a oposição bate tanto no programa”, explicou.
O deputado Afonso Florence (PT-BA) é outro entusiasta do programa. “É inconteste os resultados desse que é o maior programa de transferência de renda recente do mundo ocidental. É um sucesso que o Brasil e mundo reconhecem”. O deputado destacou que mais de 36 milhões de brasileiros deixaram a pobreza “graças ao Bolsa Família e o Brasil sem Miséria.
Veja a seguir trechos da entrevista da socióloga Walquiria Leão Rego:
Boatos recentes no Bolsa Família – Foi de uma crueldade desmesurada. Foi espalhado o pânico entre pessoas que não têm defesa. Uma coisa foi a medida administrativa da CEF (Caixa Econômica Federal). Outra coisa é o que a polícia tem que descobrir: onde começou o boato. Fiquei estupefata. Quem fez isso não tem nem compaixão. Nossa elite é muito cruel. Não estou dizendo que foi a elite, porque seria uma leviandade.
Coronelismo – Sim, enfraqueceu o coronelismo. O dinheiro vem no nome da pessoa, com uma senha dela e é ela que vai ao banco; não tem que pedir para ninguém. É muito diferente se o governo entregasse o dinheiro ao prefeito. Num programa que envolve 54 milhões de pessoas, alguma coisa de vez em quando [acontece]. Mas a fraude é quase zero. O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa passiva de imbecis que não reage é preconceito puro.
Lula – Os votos desta população são de Lula. Até 2011, quando terminei a pesquisa, eram. Quando me perguntam por que Lula tem essa força, respondo: nunca paramos para estudar o peso da fala testemunhal. Todos sabem que ele passou fome, que é um homem do povo e que sabe o que é pobreza. A figura dele é muito forte.
Resignação – A cultura da resignação foi muito estudada e é tema da literatura: Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego. Ela tem componente religioso: ‘Deus quis assim’. E mescla elementos culturais: a espera da chuva, as promessas. Essa cultura da resignação foi rompida pelo Bolsa Família: a vida pode ser diferente, não é uma repetição. É a hipótese que eu levanto. Aparece uma coisa nova: é possível e é bom ter uma renda regular. É possível ter outra vida, não preciso ver meus filhos morrerem de fome, como minha mãe e minha vó viam. Esse sentimento de que o Brasil está vivendo uma coisa nova é muito real. Hoje se encontram negras médicas, dentistas, por causa do ProUni (Universidade para Todos). Depois de dez anos, o Bolsa Família tem mostrado que é possível melhorar de vida, aprender coisas novas. Não tem mais o ‘Fabiano’ [personagem de “Vidas Secas”], a vida não é tão seca mais.
( http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1293113-bolsa-familia-enfraquece-o-coronelismo-e-rompe-cultura-da-resignacao-diz-sociologa.shtml)
Vânia Rodrigues