Lula: enquanto esse coração bater, defenderei os interesses do povo

Em entrevista concedida ao Sul 21 na quarta-feira (3) o ex-presidente Lula reafirmou sua inocência e compromisso com o povo brasileiro, dando mais uma aula de política.

Na segunda parte da entrevista concedida ao Sul21, quarta-feira (3), em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comenta o episódio da prisão de um militar que participava da comitiva de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, com 39 quilos de cocaína, em um avião da FAB. “Investigar isso é papel do Moro e da Polícia Federal, não do general Heleno. Mas eles não estão achando nem o Queiroz”, diz Lula. O ex-presidente também fala da recente decisão do STF que negou mais uma vez a sua liberdade e reafirma sua disposição para provar a sua inocência “100 por cento”:

“Não adianta querer tirar o Lula daqui, mandar ele pra casa e colocar uma tornozeleira no bicho. Eu não quero sair daqui por caridade e minha canela não é canela de pombo. Não aceito tornozeleira. Eu quero sair daqui com 100% da minha inocência. Fora disso, esqueçam”.

Lula questiona também o papel desempenhado pela Rede Globo na sua prisão e, agora, para, segundo ele, inviabilizar a sua libertação: “Não venham me dizer que eu sou contra a Lava Jato. Eu sou contra transformar uma operação de investigação em uma ação política e foi o que fizeram em relação a mim. Eu acho que quem não quer que eu não saia daqui nunca é a Globo. A Globo poderia vir aqui fazer uma entrevista comigo, como você está me entrevistando. Ela poderia mandar o Bial e transmitir ao vivo. Com a Globo, como eu não confio, eu não faço gravando, só ao vivo. Ou poderia mandar o William Bonner e fazer no Jornal Nacional. Quando eu fui eleito eles não quiseram me entrevistar ao vivo?”.

Sul21: O senhor participou de muitas reuniões do G-20 e de outros encontros de cúpula internacionais. Neste último encontro do G-20, houve um episódio que teve grande repercussão internacional, que foi a prisão de um militar brasileiro que acompanhava a comitiva do presidente Bolsonaro, com 39 kg de cocaína. O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, falou desse episódio como uma falta de sorte. Com a experiência que o senhor tem envolvendo os protocolos de segurança em viagens presidenciais, a ocorrência de algo do tipo pode ser associada à falta de sorte?

Lula: O que é preciso perguntar para o general Heleno, aquele que dá murro na mesa quando se trata de falar do Lula, se foi falta de sorte porque acharam. Se não tivessem achado, não teria sido falta de sorte. Eu não sou mesquinho de querer envolver o presidente da República numa coisa dessas, porque o presidente nem sabe quem viaja no SCAV, o avião reserva.

O presidente sabe quem são os ministros que viajam com ele. Mas tem uma coisa que não dá para aceitar. A base aérea onde fica o avião presidencial, seja em Brasília, no aeroporto de Congonhas, em Cumbica ou no Rio de Janeiro, é controlada pelos militares. O coronel Joseli, que hoje é ministro do Superior Tribunal Militar, é quem tomava conta do avião durante os oito anos do meu governo. Ele viajava comandando os pilotos e toda a tripulação. Foi no meu governo e no da Dilma. Na base, tem um coronel que toma conta. O avião normalmente é comandado por militares.

Há uma sala de embarque por onde normalmente entra o presidente da República, a sua esposa e o ajudante de ordens. Há outra sala para os ministros e para todas as outras pessoas que acompanham a viagem. Todos eles têm que chegar antes do presidente nesta sala e as malas deles já chegaram três ou quatro horas antes para serem embarcadas. Como é que esse rapaz conseguiu entrar com uma mala com 39 quilos de cocaína sem que ninguém percebesse? Ele chegou por último?

Entrou com a mala na mão e colocou lá dentro? Não é possível. A impressão que tenho é que querem jogar toda a culpa no sargento, mas ele não fez isso sozinho. Qual é o esquema que está por trás dele? Quem facilitou? Quem seria o dono e quem seria o receptor?

O povo brasileiro precisa de respostas. Há algum tempo atrás, a Polícia Federal pegou um helicóptero com 400 quilos de coca em Minas Gerais e até hoje ninguém sabe quem é o dono da coca.

Veja que estou sendo muito objetivo. Não acredito que o atual presidente da República soubesse de alguma coisa porque a gente não sabe direito nem quem vai na parte de trás do avião. Tem o chefe do cerimonial que cuida dos civis e tem os militares. Alguém sabe como é que esse cidadão embarcou. Investigar isso é papel do Moro e da Polícia Federal, não do general Heleno.

Mas eles não estão achando nem o Queiroz…O Queiroz enganou o Ministério Público, a Polícia Federal, está desaparecido, ninguém sabe onde está. Esse mesmo ministro, quando juiz teve a pachorra de mandar a Polícia Federal na minha casa pra pegar a minha família inteira, agora não consegue achar o Queiroz? Até agora não sabe também como um vizinho do Bolsonaro tinha 100 rifles em casa. Um contrabandista, ligado às milícias e ao Queiroz…Ora, meu deus do céu. Até quando vai se mentir para a sociedade?

Acho engraçado que a Rede Globo de televisão finge que não é com ela. Se ela não puder puxar o saco, falar mal ela não fala. O esforço que eles estão fazendo para fingir que não tem nada de errado e para dizer que, quem está acusando o Moro é contra a luta anticorrupção, é muito grande. O Ali Kamel deve ser um artista para tentar ficar inventando uma proteção descabida para o Moro neste instante.

Todo mundo sabe que o Glenn é um jornalista respeitado no mundo inteiro. Agora querem quebrar o sigilo da renda dele, quando o Moro não tem coragem de mostrar o celular dele. Eles tiveram a coragem de pegar um tablet do meu neto de três anos e ficaram um ano com ele aqui na Polícia Federal. E agora o ministro se recusa a entregar o seu telefone para a Polícia Federal? O Dallagnol também não tem coragem de entregar o celular dele? O que eles têm para esconder? A sociedade brasileira precisa começar a acompanhar tudo isso de perto por que a democracia é um valor incomensurável que a gente não pode perder.

Sul21: O STF, antes de entrar em recesso, negou mais uma vez, um pedido para a sua libertação e adiou a avaliação de um habeas corpus para o segundo semestre. Após um encontro entre o presidente Bolsonaro e os presidentes da Câmara, do Senado e do STF, noticiou-se que Rodrigo Maia teria dito ao ministro Toffoli que a libertação de Lula impediria a aprovação da Reforma da Previdência. O senhor acha que esse tema vem, de fato, bloqueando a sua libertação?

Lula: Eu, às vezes, não quero acreditar no que ouço e no que leio. Você manter um cidadão brasileiro inocente trancafiado, por uma questão política, só é possível em um regime autoritário. Em um regime democrático isso não é possível. Eu adoraria que a Globo me convidasse para um debate com o Moro e o Dallagnol para provar que eles estão mentindo ao meu respeito. Sem nenhum rancor. Só pra dizer que está na hora deles contarem a verdade. Segundo a imprensa, o comandante do Exército ligou para a Suprema Corte fazendo ameaças para não me liberarem.

Eu nunca pedi para um ministro da Suprema Corte ou de outra corte qualquer favor pessoal. E não peçam pra conversar sobre assuntos que não são da minha conta. A única coisa que eu quero é que a Suprema Corte brasileira cumpra com as suas obrigações de ser o garantidor da Constituição, que não se preocupe com as manchetes de jornais ou da televisão, mas sim com os autos dos processos para tomar as decisões corretas, punindo as pessoas que merecem ser punidas e beneficiando as pessoas que merecem ser beneficiadas.

Eu vi ontem no noticiário que o Moro estava muito chateado com os deputados, questionando porque eles não estavam defendendo o Eduardo Cunha ou o Sergio Cabral. Ora, não defendem eles já confessaram que roubaram. O Sérgio Cabral já confessou não sei quantas coisas ilícitas. O Eduardo Cunha também. Por favor, Moro, não misture. Quando você mistura está mentindo. Se quiser falar de mim, fale de mim. Fale que você sabe que o tríplex não é meu, fale que você inventou a história da empresa offshore no Panamá para poder me trazer pra cá. Era sua obsessão me prender desde o tempo do Banestado.

Sul21: Entre os que vêm trabalhando contra a sua libertação, há quem diga que ela incendiaria o país, como já afirmaram alguns militares. Como vê esse tipo de afirmação e como avalia o papel que poderia desempenhar, uma vez libertado, para ajudar em um processo de redemocratização do país e de enfrentamento da fratura social que vai se aprofundando, com um ambiente de ódio, violência e violação de direitos?

Lula: Eu acho uma piada quando ouço alguém dizer que o Lula não pode sair porque, se for, não aprova a reforma da Previdência, vai criar dificuldade para o Bolsonaro ou vai acontecer tal coisa. O que quero dizer para as pessoas que pensam assim é que, em primeiro lugar, eu preciso sair porque eu sou inocente. Em segundo lugar, enquanto esse coração bater e essa cabeça funcionar eles podem estar certos que estarei na rua defendendo os interesses do povo brasileiro, goste Bolsonaro ou não goste, goste general ou não goste. Não é possível a gente chegar na situação em que está chegando. Eu jamais imaginei que o Brasil pudesse entrar na derrocada. Jamais imaginei que o Departamento de Justiça americano pudesse induzir uma parte do Ministério Público brasileiro, uma parte da Polícia Federal e um juiz para destruir a economia brasileira. Jogar falta de credibilidade na Petrobras para poder desmontar a empresa.

Como é que acontece nos Estados Unidos, na Alemanha ou no Japão? Se uma empresa praticou corrupção, o dono da empresa é preso e ela continua trabalhando. Se não, quem paga o pato, são os trabalhadores. Quem é mandado embora é o trabalhador. Aqui foi feito o contrário. Se você amanhã descobre que a família Marinho roubou qualquer coisa, ou se é verdade que eles devendo 600 milhões para a Receita Federal, não tem que quebrar a empresa. Prende o dono, mas mantém a empresa. É assim que deveria funcionar o Brasil.

Eles deram o golpe em 2016 e até hoje eles falam que o desemprego é por conta da Dilma. Depois que tirassem a Dilma, tudo ia melhorar, mas tudo piorou. A economia não funciona porque é o Collor o presidente, ou o Bolsonaro, ou o Fernando Henrique Cardoso. A economia funciona quando os seus agentes – trabalhadores, empresários e investidores percebem que há seriedade na governança, previsibilidade e que o Estado está sendo indutor do desenvolvimento. O Brasil é muito desigual. Durante muito tempo o eixo Rio- São Paulo ganhou muita coisa e o Norte- Nordeste ficou no esquecimento. É preciso haver um tratamento equânime nas regiões brasileiras. Foi isso que fizemos e é por isso que o Brasil deu um salto de qualidade.

Vou citar um exemplo do teu Estado. Passei muito tempo da minha vida ouvindo dizer que a metade sul do Rio Grande do Sul estava fadada a ser uma região morta. Quando resolvemos recuperar a indústria naval brasileira e levamos os estaleiros para Rio Grande, o que aconteceu naquela região? Foi um crescimento estupendo. Chegou a ter mais de 20 mil trabalhadores nos estaleiros. O que aconteceu agora? Desmontaram tudo pra comprar navio de Singapura e da China. E o investimento para gerar emprego no Brasil? E o salário? E a alimentação do povo? Nada disso é levado em conta? Vamos virar importadores de chineses e coreanos? Como é que pode esse país chegar ao ponto que chegou?

Foto: Guilherme Santos/Sul 21

Leia na íntegra o texto publicado pelo portal Sul21

Portal Sul 21

 

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