O coordenador do Núcleo Agrário da Bancada do PT na Câmara, deputado Nilto Tatto (SP), afirmou nesta quinta-feira (3) que a iniciativa do governo Bolsonaro de incluir entre as atribuições da Secretaria de Governo, comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, o monitoramento das ações de ONGs e de organismos internacionais pode ser o início da implantação de um Estado policial no País. Segundo o parlamentar, o próximo passo pode ser a extensão dessa medida também para bisbilhotar os movimentos sociais. A medida do governo foi duramente questionada por várias entidades da sociedade civil.
“Essa medida é mais um ataque a democracia praticada por um governo que demonstra total desconhecimento sobre o trabalho desenvolvido pelas mais de 400 mil organizações da sociedade civil no País, que realizam um grande trabalho em prol da democracia e da consolidação dos direitos humanos. Essa ação visa intimidar e tentar controlar o trabalho dessas organizações, e esse pode ser apenas o primeiro passo para depois estender esse “acompanhamento” sobre os movimentos sociais e entidades sindicais, tudo para enfraquecer a luta em defesa da democracia e dos direitos do povo brasileiro”, acusou Nilto Tatto, que também é Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT Nacional.
A ação de ‘monitorar’ a atuação de ONGs e organismos internacionais no País, foi oficializada pela primeira Medida Provisória (MP 870) editada pelo governo Bolsonaro e que estrutura a organização do governo Bolsonaro. Nesta quarta-feira (2) o novo presidente acusou pelo Twitter as ONGs de manipular e explorar indígenas e quilombolas, sem apresentar qualquer prova.
“Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”, escreveu.
A decisão já está sendo duramente criticada por várias entidades da sociedade civil, principalmente do movimento indígena. Em reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta quinta (3), o coordenador-executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Dinamam Tuxá, disse que além de esvaziar a Funai (Fundação Nacional do Índio), transferindo a atribuição de demarcação para o Ministério da Agricultura, Bolsonaro “está partindo para cima dos apoiadores que atuam em defesa dos povos indígenas”.
“As ONGs trabalham na defesa territorial e nas demarcações e ajudam a denunciar violência contra os indígenas”, afirma Tuxá, que atribui a medida à aliança de Bolsonaro com as bancadas ruralista e evangélica. “O temor é de que o governo terá aval para nos dizimar. Vivemos um cenário de 1500, querem nos colonizar. Mas não vamos nos calar, vou dar o meu sangue em favor dos povos indígenas”, diz o líder da maior organização indígena do País.
Na reportagem da Folha, dirigentes de organizações que defendem os direitos humanos também expressaram preocupação com a decisão do governo Bolsonaro. “Se o propósito da medida fosse o de facilitar uma relação construtiva entre grupos internacionais da sociedade civil e o governo no seu mais alto nível, seria uma medida bem-vinda”, afirma José Miguel Vivanco, diretor da divisão de Américas da Human Rights Watch. “No entanto o que me chama a atenção é o uso dos termos ‘supervisionar’ e ‘monitorar’, que sugerem uma falta fundamental de compreensão do papel independente que essas entidades desempenham em qualquer sociedade aberta e democrática”.
Ao ironizar a atitude do governo Bolsonaro, o diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil, de atuação socioambiental, Nilo D’Ávila, disse que na entidade que representa “ficamos muito felizes em saber que o governo vai acompanhar de perto as ONGs”. “Assim vai poder tomar providências rapidamente sobre as denúncias de grilagem de terra, desmatamento ilegal, exploração ilegal de madeira, fraudes em licenciamento e outros absurdos que vivem sendo denunciados pelas ONGs”. A reportagem tentou contato com o general Santos Cruz via WhatsApp e celular, mas não obteve resposta.
Inconstitucional – Ainda em declaração ao jornal, a diretora executiva da ONG Conectas Direitos Humanos, Juana Kweitel, afirmou que o controle da sociedade civil não é atribuição da Presidência da República. “Esta medida é abertamente ilegal, pois a Constituição veda expressamente qualquer tentativa de interferência estatal no funcionamento das organizações. Essa norma precisará ser revertida seja por meio de uma nova MP ou do Judiciário. A democracia precisa de uma sociedade civil livre e atuante”, diz Kweitel, cuja organização tem status consultivo na ONU.
Na avaliação da pesquisadora da Escola de Direito da FGV-SP, Aline Gonçalves de Souza, o Brasil já possui mecanismos de controle de ONGs, incluindo o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/14), entre outras normas.
PT na Câmara com informações da Folha de S. Paulo