O brasileiro não tem o valor do seu trabalho reconhecido dignamente pelo governo. Quem está chegando perto da idade de aposentadoria percebe rapidamente a desvalorização da sua força de trabalho. Na prática, se o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) conseguir mudar as regras da aposentadoria, o brasileiro perderá quase R$ 1.100 por mês.
De acordo com a equipe de Bolsonaro, que define as prioridades econômicas e o continuísmo da gestão Temer no arrocho dos direitos sociais e trabalhistas, o modelo de aposentadoria no país vai deixar de ser de repartição simples para virar um sistema de capitalização. Um modelo que já fracassou completamente no Chile e na Argentina.
No Brasil, o trabalhador consegue completar os 35 anos necessários de contribuição para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), aos 53 anos. Com essa idade, o valor médio da aposentadoria por tempo de contribuição deveria ser de R$ 1.851,96.
Desde 2015, o valor integral só é pago se o trabalhador consegue atingir a regra do fator 85/95, que leva em conta a soma da idade e do tempo de contribuição. Por essa regra, o valor completo da aposentadoria é pago se essa soma for igual a 95 para os homens e 85 para as mulheres.
Se ele não alcançar a soma, mas o trabalhador já tiver 35 anos (homens) ou 30 anos (mulheres) de contribuição, é aplicado o fator previdenciário. Segundo os dados da folha de pagamento do INSS, com o fator previdenciário, o valor médio dos benefícios cai de R$ 1.851,96 para R$ 1.226,00, uma redução de R$ 625,00.
O problema é ainda mais grave com a possível mudança de regime de desconto da aposentadoria que o governo Bolsonaro prepara. Os exemplos de Chile e Argentina, que adotaram o modelo de capitalização, demonstram que o valor do benefício é bem menor que a expectativa. O valor de R$ 1.851,96 de aposentadoria mensal cairia para R$ 735,60 apenas. Uma perda de R$ 1.100.
“O sistema de capitalização tem dois grandes problemas. Primeiro ele não mantém a garantia do recebimento do mínimo legal, ou seja, a maioria dos benefícios são concedidos abaixo de um salário mínimo. Segundo ponto, não há garantias de que após 30 ou 40 anos de contribuição o sistema estará funcionando”, analisa o advogado Guilherme Portanova.
O mecânico Silvério Vieira, tem 54 anos e começou a contribuir para o INSS em 1983. Antes disso trabalhou também no campo como agricultor. Trabalhando em empresas, ele atuou na mineração – por cerca de 13 anos – e como motorista de caminhão.
Nos últimos dez anos, passou por várias cirurgias e tratamentos para de doenças relacionadas ao trabalho.
“Hoje eu vivo com essa dor. O INSS não quer me aposentar, tá me enrolando. Eu não tenho condições de andar. Não tenho firmeza nas pernas e não tenho forças nos braços. Sinto muita dor”, disse Vieira.
No caso do mecânico, a concessão da aposentadoria teria a aplicação do fator previdenciário. Além disso, a partir de janeiro, por conta de uma previsão legal, a regra 85/95 será atualizada para a fórmula 86/96.
Dois modelos
No modelo de aposentadoria atual, chamado de repartição simples, o desconto feito na folha de todos os trabalhadores mais as contribuições das empresas serve para cobrir a despesas da aposentadoria.
Já o modelo de capitalização, que o Bolsonaro quer instalar, funciona como uma espécie de conta individual, administrada por um banco. O dinheiro recolhido fica acumulando e é liberado quando o trabalhador chega na idade de se aposentar. Esse modelo tem riscos, pois o agente administrador cobra uma comissão para administrar os valores e os investimentos escolhidos podem render menos que o esperado.
Segundo a advogada Tonia Galetti, a troca de um modelo para o outro exige uma transição de alto custo para o Brasil. “Se começar a capitalizar a contribuição do trabalhador da ativa, quem é que vai pagar as aposentadorias? O governo não tem uma resposta satisfatória para isso”, comentou.
A advogada também questiona que os gestores da previdência com contas de capitalização não têm como garantir um valor digno de aposentadoria. Para a advogada, no futuro, uma solução poderia ser o modelo misto. Com a garantia de um valor mínimo das aposentadorias e um valor que poderia ser fruto de capitalização.
Tonia avalia que o problema para as aposentadorias tem relação também com os salários. Os trabalhadores ganham pouco e não existe nenhuma margem de salário para capitalizar, tornando esse modelo inviável para uma grande parcela da população.
Brasil de Fato