Movimentos que representam os trabalhadores e as famílias atingidos pelo rompimento da barragem B-1, em Brumadinho (MG), há dois anos, pleiteiam ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da homologação do acordo bilionário firmado na última quinta-feira (4) entre a Vale S.A, responsável pela barragem, e o governo do estado de Minas Gerais.
A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Centro de Alternativas Socioeconômicas do Cerrado (Casec) e o PT e Psol. O deputado Rogério Correia (PT-MG) também subscreve a ação.
O acordo firmado entre o governo mineiro e a Vale foi no valor de R$ 37,68 bilhões. O montante é abaixo do que previam as negociações iniciadas em agosto de 2020 entre o estado de Minas Gerais, instituições do sistema de Justiça e a Vale. A ação pede a reparação integral de toda a Bacia do rio Paraopeba, bem como o estabelecimento de procedimentos que garantam a participação dos atingidos.
Crimes ambientais
Segundo os termos da ação, chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), contidos na ação inicial previa-se pagamento do valor total de R$ 54,6 bilhões, sendo R$ 28 bilhões a título de danos morais coletivos e sociais e R$ 26,6 bilhões a título de compensação socioeconômica à sociedade mineira, conforme informou a agência de notícias do governo do estado.
“A Vale é responsável pelos crimes em Mariana e em Brumadinho, portanto não há nenhuma condescendência. Na verdade, não se trata de um acordo e sim da obrigação de pagar. A Vale está oferecendo muito menos do que deve a Minas Gerais e especialmente aos atingidos pelas barragens.
Nesse sentido, esperamos que esse acordo seja ampliado atendendo as reivindicações daqueles que não foram ouvidos”, argumentou o deputado Rogério Correia.
Reparação
Durante entrevista coletiva que ocorreu nesta quarta-feira (10), em plataforma virtual, os representantes da Anab, MAM, Movimentos Atingidos por Barragens (MAB) e Casec observaram que na petição eles pedem a suspensão da homologação e não do acordo firmado.
Eles sustentam que os principais interessados – os atingidos pela tragédia – não foram ouvidos e, portanto, não participaram do acordo. Eles reivindicam também a ampliação do acordo para os atingidos que ficaram de fora do processo de reparação.
Acordo ruim
Maria Julia Zanon, da coordenação nacional do MAM, disse que o montante acordado não é suficiente para a emergência concreta da vida das pessoas. Segundo ela, os valores não são suficientes para a retomada do modo de produção, geração de renda e emprego vigente antes do rompimento da barragem.
“Nós estamos afirmando que o acordo é ruim, porque ele não acolhe a percepção de uma das partes fundamentais que é a população atingida, à qual foi negado o acesso às informações, por causa do sigilo. Isso gera situações bizarras, como toda a questão da reparação integral ambiental, agora nas mãos de uma consultoria privada, contratada pela Vale”, denunciou.
O coordenador do MAB, Joceli Andrioli, classificou de “prejuízo” o fato de os atingidos pelo crime da Vale não terem participado das negociações. Segundo ele, o desrespeito a esse direito violou a Constituição.
Direitos desrespeitados
“Esse é um dos motivadores da ação no Supremo”, disse. “Os atingidos foram passados para trás pelo estado de Minas Gerais com a conivência das instituições de Justiça e do próprio Judiciário em Minas Gerais”.
O representante do MAB acredita que o Supremo vai tomar providências no sentido “de garantir esse direito fundamental constitucional”.
Joceli Andrioli disse ainda que os atingidos tiveram prejuízos, porque os valores previstos no acordo “são valores muito inferiores à necessidade do momento e do pedido original da Justiça”.
Ele explicou que o pedido era de R$ 28 bilhões para dano moral, coletivo e social. Desse montante, apenas R$ 4,4 bilhões foram destinados aos atingidos, R$ 3 bilhões para um fundo em projetos na região e R$ 4,4 bilhões para pagamento emergencial que, segundo Andrioli, está em transição para um programa de renda que o próprio MAB há muito tempo vem lutando.
Segundo Andrioli, o valor que está previsto não dá conta das comunidades atingidas, deixando muita gente de fora. Além disso, informou, mais de 20 mil pessoas estão dentro dos critérios de indenização mas não foram reconhecidas pela Vale.
Justiça
“Portanto, essa ação a partir de todas essas injustiças, foi pensada no sentido de pedir a suspensão da homologação, não a suspensão do acordo como um todo, que seja aplicado de forma célere, inclusive, a garantia já tida dos direitos dos atingidos”, argumentou.
O representante da Anab, Leandro Gaspar Scalabrini, também reclamou do conteúdo do acordo. Para ele, não passa de um “acordão” para beneficiar a Vale e não os atingidos pelo crime dessa empresa.
“Esse é um verdadeiro acordão dos responsáveis pelo crime, faltando apenas um dos responsáveis – o Governo Federal, que tem se omitido, ao longo desses anos, de suas responsabilidades. Eles não poderiam ter firmado esse acordo. O estado de Minas, a empresa e o Governo Federal são os responsáveis pela tragédia”, acusou Leandro Gaspar.
Ele também tem esperança de que o STF restabeleça os princípios constitucionais violados no acordo. “Esperamos que agora o Supremo Tribunal Federal restabeleça a justiça, que nos dê condições de firmar um acordo justo é apenas o que a gente quer”, afirmou.
Gaspar adiantou que se não houver a concordância do pleito dos movimentos por parte do STF, haverá recursos às organizações internacionais de direitos humanos.
Leia a íntegra da ADPF:
SodaPDF-converted-ADPF – Acordo Vale S.A
Benildes Rodrigues