Nesta quarta-feira (18), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados fez audiência pública para apresentação do relatório da Human Rights Watch Brasil sobre a violência e impunidade na Amazônia brasileira. O relatório traz mais de 70 casos de ataques e ameaças, incluindo assassinatos, por madeireiros e grileiros, contra agentes públicos, povos indígenas e outros grupos que defendem a floresta. A pesquisa durou mais de 18 meses e entrevistou 170 pessoas, entre as quais 60 indígenas, além de moradores do Maranhão, Pará e Rondônia, além de dezenas de servidores públicos em Brasília e na Amazônia. O trabalho foca na ação de quadrilhas especializadas na extração de madeira, e afirma que grande parte do desmatamento na Amazônia é feito por redes criminosas que matam e fazem alianças com empresas para atingir metas. O debate foi solicitado pela deputada Erika Kokay (PT-DF).
César Muñoz, pesquisador sênior da Human Rights Watch e responsável pelo relatório, afirmou, durante o encontro, que esses grupos não são os únicos responsáveis pela destruição da floresta, mas são o “ator mais perigoso pela escala da destruição e porque usam da intimidação e violência contra moradores e agentes ambientais”. O pesquisador acrescenta que, além de derrubar as árvores mais valiosas, as quadrilhas abrem caminho para a completa destruição da mata e, dessa forma, viram pastagens. As quadrilhas costumam agir em terras públicas. “A árvore preferida é o ipê, a extração da madeira exige uma operação logística complexa e bastante dinheiro, é preciso custear os equipamentos usados na atividade, como motosserras, tratores e caminhões. Para retirar as toras, são abertos ramais na floresta, e eles ficam semanas no mato, morando em barracos sem nenhum tipo de segurança”.
O relatório “Máfias do ipê: como a violência e a impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira” documenta 28 assassinatos ocorridos, em sua maioria, desde 2015, em que os responsáveis tinham envolvimento com a destruição da floresta e “viam suas vítimas como obstáculos às suas atividades criminosas”. A maioria dos mortos era indígenas ou membros de comunidades locais contrários à exploração ilegal de madeira.
Muñoz relata que “quando as quadrilhas não são detidas, elas retiram todas as árvores de grande valor da floresta. A mata então fica cheia de pequenas clareiras e ramais, e deixam a área secar por vários meses e, depois, ateiam fogo para limpar de vez o terreno”. Ele lembra que essa forma de atuação ganhou visibilidade nas últimas semanas com as queimadas na Amazônia que foram parar no noticiário internacional.
“Vivemos uma conjuntura de risco simbolizada por esses assassinatos e queimadas na Amazônia, além do enfraquecimento e desmonte de instituições como Ibama, ICMBio e Fundação Palmares, e não temos mais Ministério do Meio Ambiente”, denuncia Nilto Tatto (PT-SP).
Impunidade
O relatório traz dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que apontam mais de 300 pessoas assassinadas nos últimos 10 anos no Brasil, em conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia. Segundo a Human Rights Watch, desses casos, apenas 14 foram julgados. Um dos casos citados no relatório foi a morte e o desaparecimento de dois trabalhadores do assentamento Terra Nossa, no Pará. Eles haviam dito que pretendiam denunciar a exploração ilegal de madeira na região. A ONG afirma que a impunidade associada aos assassinatos acontece por causa da falta de investigações adequadas pela polícia. Já a polícia afirma que isso acontece porque as mortes costumam ocorrer em áreas remotas.
Raione Campos, coordenadora da Prelazia de Itaituba da Comissão Pastoral da Terra, informa que vem de uma área do Pará, região em torno da BR 163 que deveria ser uma das mais conservadas do País, mas acontece o contrário. “Agricultores são assassinados, mas os corpos nunca aparecem e as famílias são ameaçadas. E isso acontece porque o Estado brasileiro não cumpre o seu papel. O cenário é desanimador, mas não podemos silenciar, se calar diante de tudo que vem acontecendo. Existem organizações criminosas, sim, e polícia que nem registra ocorrências, e a impunidade começa aí”. Campos afirma ainda que o poder público, como prefeituras e justiça local, são coniventes com esses crimes.
“A violência cresce na Amazônia. Violência contra os ribeirinhos, contra os quilombolas, contra os indígenas e contra os defensores do meio ambiente. Tudo por causa das mineradoras, madeireiros e o avanço do agronegócio”, denuncia Padre João (PT-MG). O parlamentar acrescenta que “essa onda cresce à medida que o governo atual corta investimentos dos órgãos de fiscalização, incentiva o desmatamento e promete anistia de multas ambientais. Chega de violência, de mortes e destruição”.
Também participou da audiência pública Nívio Silva Filho, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (Meio Ambiente e Patrimônio Cultural) do Ministério Público Federal.
Recomendações
O relatório da Human Rights Watch sugere ações para acabar com a impunidade associada ao desmatamento na Amazônia. Como por exemplo a elaboração de um plano, coordenado pelo Ministério da Justiça e com participação da sociedade civil, para “tratar dos atos de violência e intimidação contra defensores da floresta e desmantelar as redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal”; criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso para identificar as redes criminosas responsáveis pelo desmatamento; apoio e proteção aos defensores da floresta; criação de canais de comunicação para que comunidades possam denunciar o desmatamento a policiais, promotores e agentes ambientais; fim dos ataques verbais a organizações ambientais e outras ONGs, restabelecendo a colaboração entre agências de fiscalização e grupos da sociedade civil que trabalham para proteger os defensores da floresta, os direitos indígenas e o meio ambiente; adoção de todas as medidas necessárias para que o Brasil cumpra seus compromissos relacionados à mitigação das mudanças climáticas; reparação dos danos causados aos órgãos ambientais e a garantia de que tenham autonomia, ferramentas e recursos suficientes para cumprir suas obrigações com segurança e eficácia.
“Se escondam nas florestas”
“A história do desmatamento acompanha o início da história desse País, os que chegaram aqui já começaram levando à extinção o Pau Brasil para a construção de navios para sustentar a navegação portuguesa. Ou seja, nos inauguramos como sociedade política avançando fortemente sobre os recursos naturais”, conta Deborah Duprat, procuradora Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC). Ela destaca que a Constituição de 1988 gerou marcos para a criação de territórios, proteção das matas, estrutura física e orçamentária para recuperar e preservar florestas. “Muito se tentou avançar e construir uma cultura diferente. Porém, hoje vivemos um período de redução ou eliminação das instituições que deviam cuidar dos nossos recursos naturais”.
A procuradora conclui afirmando que “o discurso político atual compromete qualquer política, o relatório chega em muito boa hora, mas duvido que consigamos avançar em investigações de crimes contra indígenas e defensores de direitos humanos. E se quiserem um conselho meu, se escondam nas floretas”.
Assessoria de Comunicação-CDHM