Lula: O Brasil é refém da Lava Jato

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos maiores políticos do século XXI, concedeu uma longa entrevista ao site Opera Mundi, na última quarta-feira (18) -publicada na íntegra hoje (23), sobre temas internacionais relevantes dos últimos anos e que mudaram a configuração da democracia no mundo. Lula falou sobre a posição da esquerda após a queda do Muro de Berlim; a relação do Brasil com os EUA; a política externa do governo Bolsonaro; Mercosul; e América Latina. Mas, o tema considerado mais internacional de todos, na avaliação do Lula, é a Lava Jato. “Porque na minha opinião, o Brasil é refém. O Ministério Público, através do ex-procurador da República Rodrigo Janot, do ex-juiz Sérgio Moro e da Lava Jato, se submeteu ao Departamento de Justiça dos EUA, e, por trás disso está o interesse no pré-sal”, afirmou.

Lula explicou que desde que o pré-sal foi descoberto, na fronteira marítima do Brasil, que os americanos colocaram a 4ª frota – que tinha sido desativada na Segunda Guerra Mundial – para funcionar. “Quando eles fizeram isso, eu resolvi propor aos países latino-americanos a criação do Conselho de Defesa da América do Sul, que era para tentar fazer um contraponto”, contou. O ex-presidente afirmou ainda que está tudo relacionado e relembrou que em 2012 foram roubadas informações secretas da Petrobras. “Roubaram um container, até hoje não se sabe onde foram parar as informações sigilosas da Petrobras”, disse.

O ex-presidente observou que hoje ele é um preso político por causa de mentiras que inventaram para tirar o PT do governo, e ainda acusou a Globo de ter vendido essa mentira para a sociedade. “A partir da mentira não tem que explicar mais nada. Vamos criar na sociedade uma convulsão de que nós não conseguiremos derrotar o PT nas eleições”, explicou Lula, destacando que o PT tinha ganho quatro eleições. “E íamos ganhar a quinta e se tivermos chance vou ganhar a sexta, porque nós somos melhores que eles, nós organizamos melhores que eles, e fizemos mais do que eles, então encontram um jeito, contaram uma mentira para a sociedade, e eu estou aqui”, reforçou.

Lula disse ainda que, agora, a mentira está sendo desvendada, explicada para a sociedade. “O The Intecept Brasil está cumprindo uma parte, os meus advogados, na minha defesa, cumpriram a outra parte. A imprensa brasileira, você tem uma parte da imprensa tão canalha que eles não deram até hoje uma única notícia do Intercept”, criticou o ex-presidente.  Ele acrescentou que o Jornal Nacional só deu alguma coisa para tentar livrar a cara do apresentador Faustão.

Ele lamentou ainda que na hora de publicar as mentiras como verdadeiras, ela tinha todo dia 20 minutos no Jornal Nacional, “mentindo, divulgando as mentiras do então juiz Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol”. Segundo Lula, eles não queriam saber se era verdade, não perguntavam para os seus advogados. “Agora eles encontram um argumento ‘não reconheço’. Reconhecem sim. Se tem uma quadrilha organizada nesse País, chama-se Lava Jato. É uma quadrilha organizada feita, inclusive com o objetivo de roubar dinheiro. Pega o acordo de R$ 2,5 bilhões da Petrobras, pega o acordo com a Odebrecht, que está no acordo de leniência que nós estamos tentando receber informações, inclusive no Supremo Tribunal Federal”, desabafou.

Governo Dilma

Neste contexto de tirar o PT do governo a qualquer custo, Lula falou sobre o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff. “Eu não trabalhava com uma ideia de que PSDB, e sobretudo o Aécio Neves (candidato derrotado por Dilma em 2014), fossem fazer uma campanha do ódio que fizeram contra a Dilma e depois que terminou a companha e eles perderam, que eles fossem boicotar o governo”, reconheceu. Na verdade, continuou Lula, quando eles elegeram Eduardo Cunha, presidente da Câmara, “a ideia era não deixar a Dilma governar. Ela mandava uma medida provisória para desonerar uma fábrica de papel, por exemplo, e eles desoneravam 500 coisas e assim foi criando um rombo no governo”, explicou.

Bolsonaro e EUA

Ao responder sobre a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação aos EUA, Lula avaliou como “uma coisa humilhante”. É total subserviência. Isso não faz bem para o Brasil, não faz bem para o Bolsonaro. Ninguém gosta de quem não se respeita, ninguém gosta de lambe-botas”, reforçou. Lula ainda comentou a intenção do presidente de indicar o filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, para a embaixada em Washington. “Eu, sinceramente, não vejo preparo político para que o filho de Bolsonaro seja essa pessoa. Bem, se ele quer arcar com as consequências, que arque. É o Senado que, em última hipótese vai investigar, vai pedir para ele fritar um hambúrguer lá dentro do Senado. Pede para ele assar uma linguiça, pede para ele fazer qualquer outra coisa, pois só hambúrguer não é credencial para alguém ser embaixador. Então, a responsabilidade republicana é do Senado”, afirmou.

Militares

Indagado sobre a quantidade de generais no governo Bolsonaro, inclusive alguns que participaram da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, iniciada no governo dele, Lula foi direto: “Eu quero que os militares cuidem do Brasil, da segurança do nosso País. Se querem se meter em política, deixem as fardas, virem cidadãos civis e concorram”. Instigado pelo repórter se ele se arrependia de ter enviado tropas brasileiras para as missões de paz no Haiti em 2004, da qual fez parte o general Augusto Heleno (atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro), Lula respondeu que não. “O Brasil não foi lá para consertar o Haiti. Foi tentar manter um clima de paz […]. Você sabe que o presidente da República não escolhe o general, é uma bobagem imaginar que presidente escolhe general”, afirmou.

Papel da Esquerda

O ex-presidente Lula reconheceu que a direita foi mais ousada do que a esquerda após a queda do Muro de Berlim, episódio que marcou, em 1989, a derrocada do bloco socialista. Isso porque, segundo Lula, a direita partiu para temas, muitas vezes, de interesse pertinentemente do Estado. Ele citou como exemplo o discurso contra os migrantes. “Um discurso muito forte em qualquer país do mundo. Veja o que está acontecendo agora no Brasil com os discursos do governo em relação à Venezuela”, citou.

O ex-presidente disse que a esquerda precisa voltar, precisa saber o que está acontecendo no mundo. “Ou seja, na medida em que você não tem uma confrontação mais direta, você tem apenas um lado capitalista impondo regras, onde tudo é feito em função de melhorar a produtividade, de melhorar a rentabilidade e não tem nada pensando em como melhorar a humanidade”. Lula disse que é preciso pensar sempre no por que de melhorar as coisas, avançar na tecnologia e no desenvolvimento. E foi categórico: “Tudo só tem sentido se melhorar a vida do povo”, afirmou.

Acordo com o Irã

Questionado sobre o acordo nuclear que o Brasil e a Turquia costuraram com o Irã em 2010, Lula respondeu que a então secretária de Estado dos Estados Unidos do governo Barack Obama, Hillary Clinton, o achava “ingênuo” e citou a “arrogância” da norte-americana. “Cheguei em Doha e fui encontrar o Emir [na época, Hamad bin Khalifa]. O Emir me cumprimentou e falou: Lula, acabei de receber um telefonema da Hillary Clinton pedindo que você não fosse até Teerã, porque os iranianos não cumprem a palavra, porque eles são mentirosos. E ainda dizia com a arrogância da Hillary, dizia que, ah, Lula é ingênuo. Sabe a prepotência dos americanos de que só eles não são ingênuos? Eu falei eu vou, eu fui, e acredito que fizemos um acordo muito melhor do que o que foi costurado anos depois”, contou.

América Latina

Lula falou ainda da importância da integração da América Latina, da criação do Mercosul em contraponto à Alca idealizada pelos EUA. “Éramos um monte de países fracos, mas que juntos seríamos fortes. Foi o melhor momento do Brasil, que durante 500 anos era considerado o inimigo da América Latina”, afirmou Lula. Ele citou ainda a criação da Unasul, do fortalecimento da balança comercial, além da ampliação dos parceiros comerciais, incluindo África e Ásia. “Isso tudo está acabando”, lamentou.

Assista a entrevista na íntegra:

 

 

Vânia Rodrigues

 

 

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