Após dois anos do derramamento de óleo na costa brasileira, governo ainda não consegue punir culpados

Manchas de óleo atingiram o litoral do Nordeste. Foto: Felipe Brasil/Fotos Públicas

O delegado da Polícia Federal Rubens Lopes da Silva, responsável pela condução das investigações do derramamento de óleo no Nordeste, que ocorreu em agosto de 2019, afirmou nesta quinta-feira (10), que tem “80% certeza de qual foi o navio e quem foi a pessoa que provocou o desastre”. O delegado disse ainda que, até o final do ano, as investigações que começaram em 2019, estarão concluídas.

A afirmação do delegado aconteceu durante audiência pública promovida pela Comissão Externa destinada a acompanhar as investigações que visam apurar as responsabilidades pelo derramamento de óleo. A audiência foi uma iniciativa do deputado João Daniel (PT-SE), que também coordenou o debate.

“Nós já identificamos quem, no meu entendimento, qual foi o navio, quem foi a pessoa e, com 80% de certeza, que provocou o desastre. Então, nós tendo isso, a gente só precisa encontrar a pessoa, mas não é necessário tê-la fisicamente presente para poder processá-la”, informou Rubens Lopes da Silva.

O delegado se referiu ao navio mercante Bouboulina que pertence à empresa Delta Tankers LTD, responsável, segundo ele, pelo derramamento.

“Então, isso é relevante na questão criminal. Na questão cível, nós já sabemos que empresa é dona do Bouboulina, responsável por aquilo. Ela, sim, vai responder na esfera cível por todos os danos que ela causou ao Brasil e as comunidades”, assegurou o delegado da PF.

Segundo as investigações, 2,5 mil toneladas de óleo foram derramadas no oceano. A Marinha afirmou que já foram recolhidas mais de 4.500 toneladas do material depositado na costa brasileira.

A embarcação grega, segundo os apontamentos, zarpou em 18 de julho e passou pela costa brasileira no dia 28 de julho. As manchas de óleo apareceram um pouco mais de um mês depois. O navio carregava 1 milhão de barris de petróleo cru e seguiu rumo à Malásia.

Sem sombra de dúvida

Rubens Lopes da Silva informou havia suspeita sobre outras duas embarcações. No entanto, a PF não conseguiu ainda que essas embarcações apresentassem algum elemento que negasse e eles possam ter sido os causadores do derramamento, “mas pra mim não permanece muita dúvida a respeito da autoria derramamento não, que seria a Bouboulina, de fato”.

Ele disse também que a investigação está caminhando, e ele acredita que até o final deste ano se terá um encaminhamento, seja no sentido de finalizar a investigação e o Ministério Público oferecer a denúncia. “Se o MP entendendo assim, com os resultados, vindo ou não, a gente não pode ficar indefinidamente com esse inquérito em andamento, tramitando”, salientou o representante da PF.

“Então, se não, não vierem as respostas, que a gente consiga determinar até o final do ano com 100% de certeza de quem seja o autor, eu acredito que nós temos elementos suficientes pra indiciar a tripulação do Bouboulina”, reafirmou o delegado Rubens Lopes da Silva.

Na sua fala, o diretor de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil, vice-almirante Edgar Luiz Siqueira Barbosa ressaltou que o derramamento de óleo atingiu mais da metade da costa litorânea brasileira. “Foi um incidente inédito em extensão e duração”.

Segundo ele, no ano passado, em junho e julho houve reincidências desse derramamento na costa brasileira. Ele relatou que 130 municípios, 11 estados, sendo 9 estados do Nordeste e 2 do Sudeste foram atingidos pela tragédia ambiental. Ainda, de acordo com ele, foram recolhidos 5.340 toneladas de resíduos oleosos e cerca de três mil toneladas terem chegado a nossa costa brasileira.

“Só que é muito complicado a gente estimar com muita precisão essa informação, porque desse óleo que nós estimamos, ele, na realidade, é uma mistura do óleo com a água do mar. E nós estamos falando em peso, três mil toneladas. Só pra gente ter uma ideia, aqui são três, três mil toneladas de óleo, em termos de volume, e são cerca de milhões de litros correspondente a três mil toneladas de óleo e três milhões de litros”, explicou.

Luiz Siqueira Barbosa informou também que o relatório produzido pela Marinha foi entregue à Polícia Federal e também ao Ministério Público Federal, em agosto do ano passado. O relatório das investigações, segundo ele, foi encaminhado para que a Marinha pudesse ter apoio e, principalmente, para receber mais informações, sobre esses três navios, suspeitos de terem feito o derreamento de petróleo.

“Eles (os suspeitos) foram notificados, mas nós pedimos vários documentos em relação ao transporte desses navios e também é importante que tenham as oitivas dos tripulantes desses navios, pra que a gente tenha uma prosseguimento na elucidação do que realmente teria acontecido, porque que o navio teria efetivamente realizado esse, esse descarte de uma grande quantidade de óleo”, afirmou.

Legislação

O representante do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) Marcelo Apel disse que espera que as autoridades brasileiras tenham aprendido com essa tragédia, e o Parlamento, a partir dessa lição possa avançar na produção de legislação mais restritivas na exploração do petróleo.

“Acho que essa é uma questão que tem que ser tomada com mais seriedade e eu acho que é importante que essa comissão externa possa avançar também nesse sentido de propor medidas para repensar algumas coisas da legislação. E a gente tem visto cada vez mais afrouxamento nisso”, criticou.

Marcelo Apel criticou a ausência de resposta em relação ao Plano Nacional de Contingência. Segundo ele, o plano foi praticamente extinto pelo atual governo. “Então, acho que isso também tem que ficar claro aqui pra todo mundo, que isso está sendo parte do desmonte todo da legislação ambiental no Brasil”, sentenciou.

Reparação

O secretário-executivo da Comissão Nacional para o Fortalecimento das Resex Costeiras e Marinhas (Cofrem), Carlos Alberto Pinto dos Santos, disse que o fato não pode ser esquecido pelo seu ineditismo e cobrou definição no sentido de reparação dos atingidos pelo desastre ambiental. “No que diz respeito à reparação, como o delegado aqui falou que já se definiu, de fato, que a empresa responsável, é a empresa do navio Bouboulina, então, que agora se tome as medidas de reparação necessária, de responsabilização”, defendeu.

“Isso é algo que precisa ser mantido e responsabilizado quem causou esse dano para a sociedade brasileira e principalmente para comunidades tradicionais”, reiterou Carlos Alberto Pinto dos Santos.

Auxílio emergencial

O secretário-executivo da Cofrem solicitou ao deputado João Daniel que se faça uma cobrança ao governo Bolsonaro para que pague o auxílio emergencial para os pescadores artesanais. Segundo ele, essa categoria até o momento não aconteceu. “Reitero aqui, que deve ser feito uma cobrança ao Governo para que o pagamento do auxílio emergencial que foi definido, ele seja feito para todos os pescadores e pescadoras artesanais, que hoje não aconteceu ainda. Só uma pequena parcela recebeu”, reclamou.

Maior desastre ambiental
O deputado João Daniel (PT-SE), ao justificar a proposição, argumentou que o “maior desastre ambiental em extensão do Brasil” está prestes a completar dois anos desde que as primeiras manchas de óleo foram notificadas nas praias no Nordeste brasileiro. Segundo ele, “até hoje diversas perguntas fundamentais ainda continuam sem resposta”.

Esquecimento

João Daniel argumenta também que em 9 estados nordestinos, 40,4% dos pescadores artesanais entrevistados pela pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco, no começo de 2020, relataram que estuários e/ou manguezais próximos foram atingidos, e 67,5% relataram queda de renda por conta do petróleo nas praias. A redução da renda média entre os pescadores, segundo o parlamentar, foi de 37,8%.

“Não obstante a ausência de respostas, o derramamento de óleo no Nordeste não mais ocupa espaço de destaque nos grandes meios de comunicação e está perdendo espaço também no Parlamento. O encerramento da CPI do Óleo, sem que nem mesmo fosse votado o requerimento que propunha a prorrogação do seu prazo de funcionamento, é alarme claro de enfraquecimento do tema”, lamentou o deputado.

Deputado João Daniel. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Benildes Rodrigues

 

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