‘É palhaçada, patifaria, até a água virou mercadoria”, com essas palavras de ordem, manifestantes que lotaram o auditório Nereu Ramos, nesta segunda-feira (15), na Câmara dos Deputados, mandaram um recado ao governo Bolsonaro que tenta, por meio da medida provisória (MP 868/18), privatizar as empresas de água e saneamento do País. Para entidades e parlamentares que participaram da audiência pública, a água não pode ser tratada como mercadoria.
Para eles, a privatização não é o caminho para a universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil. A MP prevê, entre outros artigos, mudanças na prestação de serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais em todo País.
“Estamos diante de uma situação: A quem interessa a privatização do saneamento no Brasil? Esse é o grande foco dessa medida provisória? A privatização vai aumentar o valor da tarifa e não vai universalizar o acesso”, sentenciou o presidente do Sindicato dos Urbanitários do Pará, Pedro Blois.
O debate foi realizado pelas Comissões de Desenvolvimento Urbano (CDU), de Legislação Participativa (CLP), presidida pelo deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), Direitos Humanos e Minorias (CDHM), presidida pelo deputado Helder Salomão (PT-ES) e pela Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra). A audiência foi proposta pelos parlamentares da Bancada do PT que compõem as respectivas comissões, José Ricardo (AM), Frei Anastácio (PB), Helder Salomão (ES) e Padre João (MG).
Interesses internacionais
A secretária de Juventude da Federação Nacional dos Urbanitários, Renata Vallim, disse que uma pesquisa feita pelo Instituto Mais Democracia, em 2017, revelou quem são os donos da água no Brasil. Segundo ela, o estudo comprovou que 58% das empresas privadas que prestam serviço de saneamento no Brasil são ligadas a instituições financeiras internacionais. Ela observou ainda, que o saneamento privado brasileiro está nas mãos de apenas cinco empresas. “Elas privilegiam altos lucros em detrimento do serviço prestado à população”, afirmou. “A MP entrega o file do saneamento para a iniciativa privada. Isso é notório”, revelou a dirigente sindical.
Ela observou que a nova MP é uma reedição da MP 844/18, que retira as atribuições das agências estaduais e torna a Agência Nacional de Águas (ANA) responsável pelas tarifas em todo o país. “Sabemos que a ANA não tem corpo técnico e não tem como cobrir as diferenças regionais. A MP entrega o saneamento para a iniciativa privada e cada município vira refém da licitação, e os menores a cargo do Estado. E também traz o fim do subsídio cruzado, que garante boas tarifas para todos”, observou.
Ana Lúcia Brito, representante do Observatório das Metrópoles, questionou o porquê da urgência do governo em alterar a lei de saneamento vigente. “Por que a necessidade de o governo modificar a lei do saneamento por meio de medida provisória? Do dia para a noite o governo quer reverter uma lei – debatida amplamente pelos atores do setor – em MP? Gostaria de saber porque tanta urgência?”, questionou.
Privatização X solução
“Essa medida provisória é uma política torta e vai ter resultado contrário porque vai ter que ser investido mais dinheiro público onde o privado não terá interesses”, alertou Ana Lúcia.
Para Helder Salomão, a privatização do saneamento básico, segundo o entendimento de movimentos com os quais ele já se reuniu, “está na contramão do que acontece no mundo, com inúmeros exemplos de privatizações fracassadas, sendo que vários países estão reestatizando os serviços. Já são aproximadamente 835 serviços privatizados que estão voltando para o controle estatal ao redor do globo”.
Na avaliação do deputado José Ricardo, privatizar o serviço de água e esgoto não é a solução. Ele contou que em Manaus, o abastecimento de água foi privatizado bem abaixo do preço que valia e nada melhorou.
“A empresa não investiu e quem fez foi o estado e o governo Lula que liberou recursos federais para construir um sistema adicional de tratamento que atendeu mais de 600 mil pessoas. A tarifa aumenta quase todos os anos, a cidade não é 100% abastecida e o tratamento de esgoto chega, no máximo, a 20% da cidade. Água não é mercadoria, é um direito, não importa se as famílias têm ou não dinheiro para pagar”, argumentou o petista.
Pobre não terá saneamento
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) acredita que, se aprovada, a MP vai prejudicar essencialmente a população mais pobre do País. “Pobre não vai ter direito a saneamento. Na prática, é isso que a aprovação da MP 868, que tramita no Congresso, significa. Hoje, o serviço é prestado pelo poder público, que deve servir a todos. Com a medida provisória, ele será aberto para as empresas privadas, que são movidas pelo dinheiro e não pelo compromisso de servir ao povo”, frisou.
Para ele, saneamento significa saúde, dignidade, e é o espelho da desigualdade no Brasil. “Essa é uma realidade que poderá se tornar ainda mais cruel e devastadora, fazendo retroceder todo o progresso que conseguimos com os governos Lula e Dilma. A privatização vai relegar, mais uma vez na história, a população mais carente, principalmente das regiões Norte e Nordeste do País, e não podemos ficar em silêncio diante desse absurdo”, recomendou.
O deputado Leonardo Monteiro adiantou que a CLP está alinhada ao projeto de água como bem público e não como mercadoria. “Coloco a Comissão de Legislação Participativa à disposição da luta contra a MP 868 e reafirmo que água é direito de todos e de todas! Não à privatização da água!”.
A deputada Margarida Salomão (PT-MG) lembra que a privatização do saneamento já foi derrotada em anos anteriores. “Essa MP 868 reedita proposta já derrotada na legislatura passada. O setor privado só vai investir, se investir, nas áreas rentáveis, não haverá saneamento para os pobres”, denuncia a parlamentar.
Também participaram do debate os deputados João Daniel (PT-SE), Célio Moura (PT-TO) e Nilto Tatto (PT-SP). O evento ainda contou com a participação da Fundação SOS Mata Atlântica; Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento; Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento e do Observatório Nacional pelos Direitos à Água e ao Saneamento.
Benildes Rodrigues