O bloco comercial formado pelos países do Mercosul corre sério risco de ser extinto com a política de desmonte do governo golpista de Michel Temer. Isso porque o ministro provisório das Relações Exteriores, o tucano José Serra, já anunciou que o Itamaraty discute a possibilidade de revogar a decisão 32 do Mercosul, para permitir que o Brasil possa negociar acordos bilaterais de livre-comércio de forma independente, sem os outros parceiros do bloco (Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela).
O deputado Ênio Verri (PT-PR), doutor em integração Latino-Americana pela USP, criticou a política de esvaziamento do Mercosul defendida pelo governo golpista e afirmou que por trás deste desmonte tem toda uma concepção ideológica a respeito das relações exteriores do Brasil. Ele lembrou que durante os 500 anos que a direita governou esse País ela manteve uma relação de subordinação aos Estados Unidos e ao mundo capitalista desenvolvido.
“E nós, quando chegamos ao poder, com Lula e depois com Dilma, rompemos com essa ideologia, mostramos que a nossa prioridade era a América Latina e o fortalecimento do Mercosul. Procuramos parceria com países mais pobres que permitiram melhores negócios para o Brasil e contribuíram para o nosso desenvolvimento”, afirmou.
Na avaliação do deputado Ênio Verri, acordos bilaterais como defende José Serra, além de serem uma forma de acabar com o Mercosul, é uma contradição. “Na verdade, é um faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, se referindo à Alca – uma ideia norte-americana de transformar todo o nosso continente em um único bloco econômico, no qual ele (EUA) mandaria no projeto.
“José Serra é a favor de acabar com o Mercosul porque nele os EUA não tem tanta influência, mas o Brasil tem. Então, quando esse ministro provisório defende os acordos bilaterais e a redução do bloco, o que ele quer é que a gente volte à relação anterior de subordinação”, criticou. E acrescentou: “José Serra, nesse caso, cumpre um papel de porta voz dos EUA, enfraquecendo o Mercosul e permitindo, com o enfraquecimento desses países, agora isolados, sejam obrigados a negociar em piores condições do que atualmente”.
Parlasul – Na semana passada, na sessão do Parlasul em Montevidéu, no Uruguai, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), aproveitou para denunciar a conspiração do tucano José Serra para minar a união aduaneira do bloco (tarifa externa comum e a livre circulação das mercadorias). “O que significa sair do Mercosul”, alertou a senadora. Ela lamentou ainda o fato de o governo provisório isolar-se dos países da região ao suspender pagamentos do Brasil e sua participação em organismos internacionais, especialmente os do Mercosul, entre eles o Instituto Social, Fundo Cultural, Fundo de Cooperativas, Instituto de Estudos sobre Direitos Humanos.
Nesta semana, em artigo assinado em conjunto com o assessor da Liderança do PT no Senado, Marcelo Zero, a senadora afirma que a saída do Brasil do Mercosul, que ela chama de Braxit, em alusão ao Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia – “trata-se, também, de uma saída pela direita, motivada pelos interesses de uma pequena minoria e inspirada por uma profunda ignorância sobre o significado do Mercosul e da integração regional para o Brasil”.
No artigo, Gleisi e Zero afirmam que o golpe no Brasil levou ao poder setores políticos que, além de não terem votos, não têm visão estratégica do papel do Brasil no mundo. E enfatizam que o Mercosul nunca foi um bloco “autárquico” e “paralisado”, como gostam de afirmar equivocadamente os seus críticos.
Eles destacam no artigo que, em 2002, o Brasil exportava somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões.
Isso significa um fantástico crescimento de 617%, sete vezes mais, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de apenas 180%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais. Saliente-se que, nesse período, o Mercosul firmou 10 acordos de livre comércio regionais, inclusive com os estados que compõem a Aliança do Pacífico, os quais possibilitarão que, até 2019, toda a América do Sul faça parte de uma grande área de livre comércio.
Citam ainda que entre 2003 e 2014 o Mercosul “nos deu um extraordinário saldo positivo de mais de US$ 90 bilhões, sendo que com a Associação Latino-americana de Integração (Aladi), que inclui o Mercosul, tivemos um saldo positivo de US$ 137, 2 bilhões. Com outras regiões, obtivemos um saldo mais modesto. Observe-se que, se somarmos os saldos dos BRICS, da União Europeia e dos EUA, temos um saldo acumulado de aproximadamente US$ 120 bilhões. Portanto, a Associação Latino-Americana de Integração, cujo principal bloco é o Mercosul, nos deu um saldo comercial positivo superior ao obtido com os EUA, a União Europeia e os BRICS, combinados”.
A senadora Gleisi e Marcelo Zero observam ainda que a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a Aladi são os produtos manufaturados. “Ora, a consequência inevitável do fim da união aduaneira, como propõe a despolítica externa do governo golpista, será a perda desse mercado extraordinário para a nossa indústria de transformação. Em pouco tempo, a região será inundada por bens industrializados americanos, europeus e chineses (…) Da produção nacional, restará apenas o agribusiness, que continuará a enfrentar as insuperáveis barreiras não alfandegárias impostas pelos países mais desenvolvidos”, lamentaram no artigo.
Empresários – A proposta do ministro golpista de enfraquecimento do Mercosul encontra também resistências no Ministério do Desenvolvimento e entre empresários. Isso porque se a decisão for revogada, outros países do Mercosul também poderão fechar acordos bilaterais de forma independente. Então, por exemplo, a Argentina poderia fechar um acordo com a China e reduzir ou zerar a tarifa para produtos que o Brasil também exporta. Setores como calçadista e de máquinas, grandes exportadores para a Argentina, poderiam perder mercado cativo.
Vânia Rodrigues, com agências