Ex-presidentes da Caixa denunciam Bolsonaro e Guedes por enfraquecimento e privatização da empresa

Em artigo na Carta Capital, quatro ex-presidentes da Caixa Econômica Federal (CEF) denunciam a atuação antinacional do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, para enfraquecer e vender à iniciativa privada a preços irrisórios segmentos mais lucrativos da empresa, fundada há 160 anos. A privatização da Caixa se insere no processo de entrega de empresas públicas e das riquezas nacionais a grandes grupos econômicos, sobretudo estrangeiros.

Jorge Mattoso, Maria Fernanda Coelho, Jorge Hereda e Miriam Belchior, que presidiram a empresa durante os governos do PT (2003 até o golpe de 2016) (2015/2016) advertem que para interromper o processo de entrega da empresa a grupos privados será necessário que o “Brasil acabe com estas políticas de Bolsonaro e Guedes, que só tendo como suposto objetivo o mercado e contratos privados, ignoram a importância do Estado e tentam favorecer a sua desestruturação, provocando a queda do PIB, dos investimentos, do crédito total e a ampliação desenfreada do desemprego e desigualdade”.

Leia o artigo:

“Ex-presidentes da Caixa denunciam políticas de Bolsonaro e Guedes

A CAIXA nasceu em 1861 mexendo com o sonho de então dos brasileiros: o sonho de ser livre, favorecendo a poupança dos escravos para a obtenção de sua alforria. Ao longo do tempo satisfez o desejo dos pais em garantir um bom futuro para os filhos, assegurou que o sonho da casa própria se transformasse e possibilitou o acesso a bens e serviços para os brasileiros. Tornou-se assim o banco da casa própria, da poupança, do FGTS, das loterias, do saneamento, dos programas sociais e, graças ao seu caráter público, participou ativamente da recomposição da economia em momentos de crise.

No entanto, ao longo destes 160 anos muitos momentos difíceis foram enfrentados pela CAIXA. Foram poucos bancos públicos que sobreviveram à má gestão e à deterioração fiscal ocorridas ainda sob a ditadura militar. Com o agravamento do caos monetário dos anos 80 até início dos anos 90, a CAIXA foi levada a uma reestruturação financeira e patrimonial realizada em 2001, que retirava dela a capacidade de executar políticas públicas e reduzia sua participação no mercado bancário, com agências superlotadas, lotéricos desmotivados, escassos correspondentes bancários e sem produtos e/ou serviços com tecnologia e qualidade. A CAIXA então passou a concentrar seus recursos em operações de Tesouraria, gerando daí quase todo o seu resultado líquido. Assim, não apenas as políticas públicas foram abandonadas, mas o crédito comercial passou a ser visto como secundário – ou até mesmo desnecessário.

A partir de 2003, com o governo Lula e a mudança na matriz de desenvolvimento, a CAIXA retoma sua missão institucional de banco público. A expansão na oferta de crédito, a contratação de empregados e a abertura de novas agências deu-se em paralelo à internalização do processo das loterias, à realização de um processo de inclusão bancária e à efetivação da maior parte dos pagamentos dos benefícios sociais dos brasileiros.

Desde então, a CAIXA assegurou sua rentabilidade e desempenho econômico-financeiro. Ampliou o crédito à pessoa física e jurídica, mantendo baixas taxas de inadimplência, aumentando o lucro líquido e, sempre que possível, contribuindo com os dividendos ao Tesouro, tendo também assumido um papel indispensável no enfrentamento da crise financeira de 2008.

Mas a partir do golpe de 2016, a assunção de Temer e sobretudo com a eleição de Bolsonaro – obtida graças ao impedimento criminoso da candidatura de Lula – implementou-se um conjunto de políticas neoliberal e privatizante que geraram graves consequências econômicas e sociais ao país. Com estas políticas, em meio ao surgimento e agravamento da pandemia, houve um processo de desestruturação do Estado Nacional, com a queda do PIB, dos investimentos, do crédito total e a ampliação do desemprego, da desigualdade e da volta da fome ao país.

Em paralelo, a CAIXA sofreu um conjunto de políticas que desprezaram sua sustentabilidade com objetivo de favorecer a liquidação da Empresa, fatiando-a para vendê-la em partes.

Embora a CAIXA esteja sendo verdadeiramente dizimada neste processo, o lucro extraordinário dos últimos dois anos favoreceu a desinformação, a proliferação de mentiras e o preconceito, como mais uma do presidente Jair Bolsonaro ao afirmar que “A Caixa lá atrás, com aquele ladrão de nove dedos, dava prejuízo”.

Mas esses resultados são verdadeiramente positivos? Quais elementos compõem esse resultado? Como e a que custo se chegou a tal resultado?

Uma análise minimamente realista mostra que esses resultados foram fruto basicamente de três fatores: da venda dos ativos da CAIXA, do encolhimento da Empresa e da queda das taxas de juros.

O terceiro fator foi uma externalidade involuntária, derivada da diminuição das taxas de juros e que obviamente beneficiou o resultado da CAIXA. No entanto, a maior parte do lucro apresentado em 2019 e 2020 foi proveniente de operações que geraram resultados não recorrentes, derivados da alienação de ativos, como a venda de Notas do Tesouro Nacional (NTN-B), de ações da Petrobras, da CIELO, do Banco Pan, dentre outras, estratégia adotada pela atual administração desde o início de sua gestão e que compromete o futuro da Empresa.

O comemorado resultado de 2019 foi, na verdade, um resultado medíocre e devastador para a CAIXA, pois, descontados somente esses dois componentes – R$ 11,5 bi dos resultados não recorrentes e R$ 4,17 bi de diminuição das provisões – o lucro líquido da CAIXA seria pouco mais que R$ 5 bi naquele exercício. Em 2020, seguiu-se a mesma linha destrutiva e dos R$ 13,2 bilhões do lucro líquido da CAIXA, R$ 5,9 bi foram provenientes de operações não recorrentes, como novos acordos operacionais firmados pela CAIXA Seguridade e novas alienações de ativos.

Com a venda de participação da CAIXA Seguridade, recentemente realizada, a empresa viu significativamente comprometidas suas receitas futuras. Processo este agravado com a constituição e alienação do “banco digital”, que representará mais uma cisão da parte lucrativa da CAIXA, com a transferência de ativo e de corpo funcional especializado para uma empresa que será vendida em seguida. Bolsonaro, Guedes e a atual gestão da CAIXA pretendem fazer isso também com parte da Asset, criando uma DTVM e abrindo capital. O mesmo vale para as áreas de loterias e cartões.

Para que a CAIXA possa romper com o processo de liquidação e privatização será necessário que o Brasil acabe com estas políticas de Bolsonaro e Guedes, que só tendo como suposto objetivo o mercado e contratos privados, ignoram a importância do Estado e tentam favorecer a sua desestruturação, provocando a queda do PIB, dos investimentos, do crédito total e a ampliação desenfreada do desemprego e desigualdade.

Outros países, como os EUA e os europeus, apesar das diferenças, já implementam outras políticas que visam minimizar os efeitos da crise, modernizar as economias e fortalecer seu dinamismo, na maior parte dos casos tendo o investimento público como motor do crescimento econômico e do emprego.

No caso brasileiro, já se vislumbra a conformação de uma ampla aliança política para que se possa ter outro governo que venha a acabar com a atual desestruturação do Estado, da economia e da sociedade. Desta forma, se poderá implementar uma outra política que garanta a recuperação econômica e a retomada da redução das desigualdades no País com uma CAIXA recuperada, 100% pública e, portanto, capaz crescimento e desenvolvimento do Brasil.

Ex-presidentes da CAIXA:

Jorge Mattoso – (2003/2006); Maria Fernanda Coelho – (2006/2011); Jorge Hereda – (2011/2015); Miriam Belchior (2015/2016).”

Artigo publicado originalmente na Revista Carta Capital

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