Depois de avanços históricos, políticas afirmativas para negros correm riscos

Quase quatro séculos de escravidão no Brasil deixaram marcas profundas em quem herdou todo o processo de exclusão e desigualdade dos antepassados negros que chegaram escravizados ao Brasil. O esforço para resgatar essa dívida histórica ainda demorou bastante: só começou em 2003, quando o ex-presidente Lula foi eleito.

Nos dois mandatos de Lula e, depois, nos de Dilma Rousseff, a população negra brasileira conquistou políticas de ações afirmativas significativas que contribuíram para a ascensão social e intelectual de milhares de pessoas ignoradas pelos políticos durante mais de 500 anos de história do Brasil.

Essas políticas começaram a ser atacadas pelo ilegítimo Michel Temer, que acabou com o status de ministério da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), e estão seriamente ameaçadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, que considera as ações afirmativas um estímulo ao “coitadismo” dos negros, gays e nordestinos. Segundo ele, essas políticas afirmativas reforçam o preconceito.

Ao contrário do que pensa Bolsonaro, o Estatuto da Igualdade Racial, promulgado em 2010 por Lula, foi uma das primeiras medidas que ajudou a coibir a discriminação racial e a estabelecer políticas para diminuir a desigualdade social entre os grupos raciais.

Depois disso, os movimentos sociais e negros conquistaram programas como Prouni, “Minha Casa, Minha Vida”, Ciências Sem Fronteiras e Bolsa Família, que contribuíram para melhorar o acesso à universidade, à casa própria e até possibilitaram aos jovens negros e mais pobres estágios e intercâmbios em instituições estrangeiras, ajudando a formar intelectuais negros em diversas áreas, das produções acadêmicas à cultura.

“Foram políticas universais que contribuíram para a segurança material dessas pessoas que passaram a ter o que comer, onde estudar e morar”, explica o professor Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.

Adilson, que é professor de Harvard, acaba de lançar o livro “O que é Racismo Recreativo”, que faz parte do projeto ‘Feminismos Plurais’, coordenado pela filósofa Djamila Ribeiro, analisou durante vários anos as políticas criadas no governo Lula para entender como essas ações afirmativas ajudaram a população negra no Brasil.

Formação acadêmica – Entre 2003 e 2014, as chances dos negros e negras de ter um diploma aumentaram quatro vezes. Apesar dessa evolução, a população negra ainda não alcançou o índice de brancos diplomados.

O percentual de negros que concluíram a graduação cresceu de 2,2% para 9,3% entre os anos de 2000 a 2017, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mulher negra e da periferia, Beatriz Lourenço do Nascimento, sabe bem o que é ter oportunidade de estudar. Ela conseguiu se formar em Direito pela PUC-SP por meio do Prouni.

Beatriz conta com orgulho que o programa de fato garantiu que milhares de jovens negros e da periferia tivessem acesso às universidades, contribuindo, com isso, para transformar o ambiente acadêmico em todo o Brasil.

“Esse processo de integração universitária da juventude negra e pobre da periferia ajudou porque esses alunos não tinham grana para estudar. Com o Prouni, acessamos essas políticas e conseguimos transformar as universidades”, completa.

Racismo institucional – Mesmo com o aumento do número de negros nas universidades, um dos desafios que os estudantes “prounistas” enfrentam nas é a permanência. São jovens de periferia que trabalham e saem cedo de casa, voltam muitas vezes 1h da manhã, sem dinheiro para sequer para se locomover.

Outro problema é o preconceito de alunos e professores que tratam bolsistas com desdém, com racismo institucional. “Tem professor que acha que os alunos prounistas merecem menos que os alunos pagantes”, denuncia Beatriz Nascimento.

Para o professor de Harvard, este incômodo de fato existe e vem de alunos “brancos e heterossexuais”. Segundo ele, quando um aluno negro ocupa um espaço na universidade, como o dedicado a pesquisas sobre a sua raça, por exemplo, e se destaca, incomoda os alunos brancos e também os professores.

“E, quando se aumenta o número de alunos negros e de professores negros nas universidades, aumenta também a quantidade de pesquisas sobre a população negra que nunca foram feitas”.

Segundo estudo feito pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que comparou o desempenho de mais de 1 milhão de alunos entre 2012 e 2014, a qualificação dos formandos que ingressaram no ensino superior por meio de ações de inclusão (cotas raciais e sociais, Prouni ou Fies) equivale ou até mesmo supera a de seus colegas.

O estudo mostrou que os bolsistas e cotistas têm notas mais altas do que seus colegas de classe.

Violência doméstica – Na hierarquia de gênero, por exemplo, as mulheres negras são as que mais morrem e sofrem com a violência doméstica e as que mais têm dificuldade de conseguir trabalho.

Os governos Lula e Dilma se comprometeram com o combate à violência doméstica, criando medidas como a Lei Maria da Penha, a expansão de delegacias destinada às mulheres vítimas da violência e o atendimento das mulheres vítimas de violência nas unidades do SUS.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil – um total de 4,5 mulheres mortas a cada 100 mil brasileiras. A maioria das vítimas era negra.

Para Adilson José Moreira, a violência doméstica é produto da discriminação estrutural. “Veja, mulher negra sofre as consequências conjuntas do racismo e do sexismo. Isso significa que as mulheres negras são economicamente vulnerável”, conclui o professor.

 

CUT

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