Contaminação, prejuízos e abandono persistem após quatro anos do crime ambiental em Mariana

A comitiva da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal (CDHM) chegou à simpática Vila do Riacho, bairro do município de Aracruz (ES), umas das cidades da bacia do Rio Doce duramente afetadas pela lama tóxica que desceu as águas após o crime ambiental ocorrido em Mariana, Minas Gerais, em 2015. A vila foi a primeira parada do grupo, no último dia 3, que se deslocou para conhecer o drama que vivem os afetados quatro anos após a tragédia.

Logo no primeiro contato com a população local foi possível entender os pedidos de socorro, pois como disse dona Zenaide, “estamos aqui esquecidos sem água potável para sobreviver”.

O presidente da comissão, o deputado Helder Salomão (PT-ES), a deputada estadual Iriny Lopes (PT), a presidente da Associação dos Defensores Públicos do Espírito Santo (Adepes) Mariana Sobral, e representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), passaram três dias em diligência por municípios capixabas – Aracruz, Linhares, São Mateus e Baixo Guandu – dialogando com os moradores sobre como tem sido a vida deles desde que a barragem de rejeitos da Samarco se rompeu em Mariana.

Salomão abriu a reunião com um pedido: “Contem tudo o que está acontecendo aqui, pois viemos para ouvir, documentar e cobrar as responsabilidades”.

Os depoimentos são fortes, dolorosos, retratam o descaso das autoridades e empresários e danos emocionais. Cada pessoa que chega ao microfone descreve dor e prejuízo. Gilberto, morador de Vila do Riacho há 10 anos reforçou que “a indenização tem que ser para todos e não só para alguns”, referindo-se ao fato de que a Renova, empresa criada para cuidar dos atingidos, só reconhece como afetados e aptos a receberem a verba indenizatória os pescadores. “E como ficam os comerciantes, os donos de pousada, de restaurantes, os moradores que são impactados pela lama?”, questionou Fiorotti, dono de uma pousada na bela Regência, Linhares, que amarga a falta de clientes e a queda brusca no seu rendimento.

Dona Maria fez uma fala marcante quando compartilhou sua sensação quando, enfim, a lama que cruzava o Espírito Santo, através das águas do Rio Doce, chegou a Regência. Segundo ela, “no dia que a lama chegou o mar estava lindo. Parecia que Deus estava nos dando a última chance de ver aquela beleza”.

Por onde passou, a comitiva ouviu centenas de pessoas e elas foram unânimes em apontar o desserviço e o descaso como são tratados pela Renova. Há quatro anos eles lutam para serem reconhecidos como atingidos, para serem vistos pelo poder público e pelas empresas causadoras da tragédia. Eles buscam a indenização para suprir os danos econômicos uma vez que a pesca e o turismo foram duramente afetados, pois “ninguém quer comer peixe contaminado e nem tomar banho em mar poluído por metais pesados”, explicou Antônio, morador de Barra Nova, município de São Mateus, que viu os turistas sumirem e o pescado da região ser rejeitado.

Saúde

Os moradores também relataram problemas de saúde. Doenças de pele – aparecimento de furúnculos, coceiras e ardências -, câncer, crescimento no número de pessoas usando óculos – inclusive crianças -, percepção no aumento de abortos espontâneos, depressão entre outras manifestações do organismo. Praticamente não há acompanhamento médico especializado às vítimas da lama. Também são constantes desmaios de crianças nas escolas.

Exames feitos pela Universidade de São Paulo apontaram efeitos dos metais no organismo. Foram pesquisados 10 componentes: alumínio, arsênio, bário, cádmio, chumbo, cobalto, manganês, mercúrio, níquel e selênio. Entre esses, arsênio, níquel e manganês foram os que apresentaram alterações em algumas pessoas.

O alumínio, arsênio, bário, cádmio, chumbo, mercúrio e níquel são metais tóxicos. O contato se dá através da água, alimentos de origem animal e vegetais contaminados. A presença excessiva pode provocar náusea, vômitos, diarreia, anorexia, retardo mental, diabetes e infarto, por exemplo.

Já o arsênio e o níquel, podem causar vários tipos de câncer e manchas na pele.

O resultado da pesquisa da Universidade de São Paulo, que colheu amostras de 300 participantes, revela que 298 apresentaram aumento de arsênio no sangue, 75 com nível elevado de níquel e 14 com índice acima da média de manganês.

Desdobramentos

Um dos maiores problemas enfrentados pela população da região, é que nem todos são reconhecidos pela Renova como atingidos pelo desastre ambiental. Há controvérsia na análise dos casos. Outro ponto preocupante é o não cumprimento, até agora, da totalidade da primeira fase do programa, que são as indenizações. As políticas públicas, para saúde especialmente, foram implantadas parcialmente e apenas pelos municípios, e sem atendimento especializado. A terceira fase, de descontaminação, não tem previsão de início.

Helder Salomão se colocou à disposição dos atingidos. Disponibilizou a CDHM bem como o seu mandato em prol da luta pela recuperação de cada localidade, do meio ambiente e das condições de vida dos moradores. Destacou a importância da organização entre os afetados e pediu apoio para o fortalecimento do MAB.

“Nós viemos até vocês para ouvi-los, pois só vocês podem falar sobre o que vivem. Queremos conhecer suas histórias para que possamos fiscalizar e cobrar os órgãos competentes. Sem luta a gente não conquista, e as lutas precisam de apoio, e nós somos apoio para vocês. Nosso relatório terá recomendações duras para quem é de competência resolver os problemas causados aos moradores da bacia do Rio Doce. Peço que ajudem a fortalecer o MAB, importante instrumento de defesa de cada um de vocês”, declarou Helder Salomão.

A deputada Iriny Lopes também abraçou a causa e abriu seu gabinete na Assembleia Legislativa. Ela, que é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Casa, declarou que é sensível e vai se mobilizar “para aprovar as recomendações definidas nas reuniões realizadas nessa diligência, e trazer, com urgência, respostas”.

A defensoria pública é um órgão que está ao lado das vítimas. A defensora Mariana Sobral destacou os direitos de todos e que as mulheres estão sendo deixadas de lado ao relatar que “a saúde é um direito dos atingidos, e as mulheres precisam de atenção especial”.

O MAB vive o dia a dia das vítimas. A entidade está organizada na busca pelos órgãos públicos, na publicidade de denúncias, na orientação das pessoas acerca de seus direitos, na luta pelos que se foram e pelos que ficaram, e afirmam que “somos todos atingidos”.

Há quatro anos os jornais anunciaram o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da mineradora Samarco, localizada em Mariana, Minas Gerais, matando 19 pessoas e lançando milhares de toneladas de lama tóxica no Rio Doce causando destruição à fauna e à flora. A população que sofre influência do rio foi impactada direta e indiretamente. Investigações feitas após o desastre apontam que não foi um acontecimento natural, mas sim, consequências da adoção de tecnologias e decisões técnico-administrativas. As responsabilidades criminais já foram apontadas pelo Ministério Público.

Assessoria de Comunicação

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