Brasil precisa de um sistema tributário mais justo e solidário para garantir crescimento econômico com justiça social

Seminário sobre Reforma Tributária; deputado Afonso Florence coordenou o evento. Foto: Gustavo Bezerra.

Deputada Erika Kokay. Foto: Gustavo Bezerra

Economistas afirmaram durante o Seminário Resistência, Travessia e Esperança, realizado de forma híbrida nesta sexta-feira (6), que o País precisará de uma reforma tributária mais justa e solidária para sustentar o desenvolvimento econômico do País com distribuição de renda e proteção ao meio ambiente. Foram apresentadas como propostas de consenso para um novo sistema tributário, a inversão do atual modelo existente no Brasil com uma maior taxação sobre altas rendas e patrimônio, e redução dos tributos sobre o consumo e folha de pagamentos das empresas. As mesas de debates foram coordenadas pelos deputados petistas Afonso Florence (BA) e Erika Kokay (DF).

Durante o debate, o professor doutor em Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e coordenador da Rede Plataforma Política Social – Agenda para o Desenvolvimento, Eduardo Fagnani, ressaltou que o atual sistema tributário brasileiro é injusto socialmente e impede o crescimento econômico do País. Segundo ele, a carga tributária brasileira é alta para os mais pobres e, proporcionalmente, atinge muito pouco os mais ricos.

“Nossa carga tributária não é tão alta, ela é mal distribuída porque incide principalmente sobre o consumo, afetando os mais pobres que gastam tudo o que ganham. Os ricos pagam muito pouco imposto no Brasil. Segundo estudos, quem ganha cerca de R$ 300 mil por mês, tem 70% de sua renda isenta de imposto. Isso sem falar dos lucros e dividendos, destinados a sócios e acionistas de empresas, que não pagam um centavo de imposto de renda. Aliás, o Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributa dividendos”, disse.

Redução das desigualdades

Para o professor e doutor em Economia pela Unicamp e integrante do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPP Economia) da Fundação Perseu Abramo, Guilherme Mello, um novo modelo tributário mais justo e solidário é a única forma de garantir crescimento econômico e redução das desigualdades.

“Não precisamos apenas de uma reforma tributária que simplifique tributos para melhorar a competitividade, por mais que isso seja importante. Nosso objetivo tem que ser a distribuição de renda, porque para crescer é preciso ativar o mercado consumidor de massa, promovendo a geração de empregos, também aumentando o poder de compra dos trabalhadores com a valorização do salário mínimo e o acesso ao crédito”, defendeu.

O líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), ressaltou que o grande desafio de um futuro governo Lula será constituir uma base social e política que viabilize a aprovação de uma reforma tributária justa e solidária.

“Precisamos promover uma reforma tributária que dê conta de enfrentar as consequências de 4 séculos de escravidão que geraram desigualdade e pobreza no País. Será um grande desafio em um próximo governo Lula constituirmos uma base social e institucional que nos permita implementar um sistema tributário que desonere a maioria da população e tribute os mais ricos”, observou.

Carga tributária injusta com mais pobres

Durante o debate também foi desmistificado a ideia recorrente em boa parte da sociedade de que o Brasil possui “uma das mais altas cargas tributárias do mundo”. A presidenta da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), Marlúcia Ferreira, revelou que os tributos cobrados no Brasil estão na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), composto por 38 países.

“Nossa carga tributária não é a maior, nem é a menor, está na média dos países da OCDE. No entanto, é uma das mais injustas porque se concentra no consumo e nos serviços, impactando principalmente os mais pobres e a classe média”, revelou.

Já a mestranda em Economia pela USP (Universidade de São Paulo) Lígia Torneto informou que apenas Turquia e Chile possuem uma estrutura tributária mais regressiva que a brasileira, cobrando mais impostos de quem ganha menos.

O ex-presidente do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) e ex-Secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte André Horta disse ainda que o atual modelo tributário brasileiro concentra recursos demais na União, prejudicando os demais entes nacionais. “Uma reforma tributária também deveria corrigir essa desigualdade. Na maioria dos países, o Imposto de Renda é compartilhado com os estados”, observou.

*Novos Desafios da Tributação*

No seminário também foram apontados novos desafios que uma reforma tributária deve enfrentar, principalmente em relação às novas tendências de cobranças de tributos, na promoção de gênero e raça, e no estímulo à sustentabilidade ambiental. Sobre as novas tendências internacionais de tributação, o mestre em Teoria Econômica pela Unicamp e doutorando em Economia pela USP Rodrigo Orair ressaltou que nem mesmo as multinacionais e os serviços digitais vão escapar da nova tendência de taxar o lucro em prol de políticas sociais.

Como exemplo, ele citou acordo já firmado mundialmente que institui uma taxação exclusiva para as multinacionais.

“Foi estipulado uma taxação de 15% sobre as atividades das multinacionais, não importando onde ela esteja. Por exemplo, se a multinacional tiver isenção total de imposto em uma filial nas Bahamas, que é um paraíso fiscal, o país de origem da empresa poderá cobrar até 15% de alíquota. Da mesma forma essa alíquota poderá ser dividida entre os países, desde que não ultrapasse esse percentual”, explicou.

Igualdade de gênero e racial 

Outro desafio apresentado durante o encontro foi a adoção de estratégias específicas dentro de uma reforma tributária para promover a igualdade de gênero e racial, uma vez que mulheres e negros são maioria na base da pirâmide social que, proporcionalmente, são os que mais pagam impostos no País. Segundo a pesquisadora do Núcleo de Departamento Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luíza Machado, países como Argentina, Uruguai e México já promovem políticas de igualdade de gênero nas questões tributárias.

Como exemplo, ela informou ainda que países da união Europeia como Alemanha, Portugal e França, reduziram os impostos de 20%, respectivamente, para 7%, 6% e 5,5%, em produtos exclusivamente consumido por mulheres, como absorventes.

“No Brasil também poderíamos adotar essa estratégia de redução de impostos sobre um produto que está ligado à condição biológica da mulher. Espero que isso possa ser considerado em uma reforma tributária”, afirmou.

Sobre o combate à desigualdade racial, a mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp Clara Marinho informou que 17 países da OCDE já adotam um Orçamento sensível às questões de gênero, assim como levam em conta o problema em suas operações financeiras o FMI e o Banco Mundial.

“Como o maior País com população negra fora da África, o Brasil precisa ser um farol na igualdade racial para o mundo. Para isso será necessário avançarmos nas políticas sociais, mas também sobre políticas tributárias que possam ajudar a resolver as questões de gênero e raça”, alertou.

Proteção ao meio ambiente

Já a mestre em Economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Camila Gramkow ressaltou ainda que uma reforma no sistema tributário brasileiro também deve sustentar a proteção do meio ambiente no País. Para justificar a urgência da adoção de uma Agenda Verde para o País, ela citou recentes eventos climáticos ocorridos no Brasil que geraram imensos prejuízos econômicos e sociais, como a seca recorde no Pantanal, enchentes no Acre e na Bahia, além dos ciclones-bomba e tornados em Santa Catarina.

“A política climática será cada vez mais o motor para o crescimento econômico de um País. Por isso, diversos países já têm estratégias de recuperação verde dos prejuízos causados pela pandemia, como Estados unidos, Canadá, França, Chile, Costa Rica, Alemanha, Coreia do Sul e Paquistão, país essencialmente agrícola que paga a trabalhadores desempregados para plantarem arvores”, relatou.

Como proposta, Camila Gramkow ressaltou que podem ser destinados incentivos fiscais para investimentos de baixo carbono, com redução de ICMS e IPI, em troca da revisão de outros incentivos fiscais, como por exemplo para produção de combustíveis fósseis.

Tributos solidários

Além da taxação de lucros e dividendos, o professor Eduardo Fagnani lembrou que a proposta de Reforma Tributária Justa, Sustentável e Solidária já entregue como contribuição ao parlamento na discussão da Reforma Tributária (por meio da Emenda Global 178), também propõe outras ações de justiça tributária.

Entre elas, ela lembrou da criação de novas alíquotas para o Imposto de Renda. “No Brasil a alíquota máxima do IR é de 27,5%. Logo, uma pessoa que ganha R$ 6 mil paga a mesma alíquota de outra que ganha R$ 100 mil por mês. Entre os países da OCDE, as alíquotas são progressivas e a média das maiores é de 40%. Por isso que na Alemanha a arrecadação com o Imposto de Renda corresponde a 10% do PIB, enquanto no Brasil é de apenas 2,5%”, lamentou.

O professor também defendeu o fim da isenção de investimentos sobre juros de capital próprio das empresas, a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (previsto na Constituição de 1988), aumento dos impostos sobre herança (média de 8% no Brasil e de 40% nos países da OCDE) e Territorial Rural (ITR).

Ele ainda ressaltou ainda que é preciso cobrar IPVA de embarcações de luxo, jatos executivos e helicópteros. “Esse é o retrato mais claro da injustiça tributária brasileira. O indivíduo que tem uma moto para fazer entrega paga IPVA, mas quem possui um iate, um helicóptero ou um jatinho não paga imposto sobre a propriedade desse bem”, destacou.

Também participaram do Seminário o deputado Zé Neto (PT-BA) e o senador Jean Paul Prates (PT-RN).

Senado Jean Paul Prates (no telão) participou do seminário. Foto: Gustavo Bezerra

Héber Carvalho

 

 

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