Audiência pública aponta ações para superar a violência contra crianças e adolescentes indígenas

Erika Kokay foi autora da audiência pública. Foto: Gabriel Paiva

Lideranças indígenas, representantes do governo e de organizações da sociedade civil debateram, nesta quinta-feira (20), novas estratégias e ações de combate à violência contra crianças e adolescentes indígenas no Brasil. Após a apresentação dos vários tipos de violências e depoimentos de mulheres indígenas sobre essas situações, foi destacada a necessidade da construção de um Plano Nacional dos Direitos das Crianças Indígenas para garantir os direitos humanos desse segmento da população. O tema foi debatido durante audiência pública na Câmara dos Deputados, por iniciativa da deputada Erika Kokay (PT-DF).

Luizianne Lins preside a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. Foto: Gabriel Paiva

Após a abertura da reunião, realizada pela presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, deputada Luizianne Lins (PT-CE), a deputada Erika Kokay assumiu a coordenação da audiência pública passando a palavra às mulheres indígenas. Elas relataram que as crianças indígenas no Brasil passam por vários tipos de violência, desde antes do nascimento com falta de atendimento pré-natal, passando pela fome, doenças e até estupros nos territórios invadidos, e até mesmo casos de bullying nas escolas – no caso de crianças e adolescentes cujos pais foram morar nas cidades.

A vice-cacica Erilza Pataxó, da aldeia indígena Barra Velha, localizado no município de Porto Seguro (BA), fez um relato dramático da violência contra adolescentes e crianças em seu território.

“Estamos lutando pela demarcação do nosso território e já vimos vidas de jovens ceifadas por policiais que deveriam nos proteger. Recentemente foram assassinados três jovens de 14, 16 e outro de 20 anos. As crianças indígenas começam a sofrer no útero de suas mães, quando é negado a elas o pré-natal ou quando são mortas dentro dos hospitais por negligência médica”, acusou.

Já a professora e pedagoga Maria Lídia Melo, mulher indígena do povo Tupinambá que mora em São Luís (MA), relatou que crianças e jovens indígenas também sofrem outros tipos de violências quando vivem fora dos territórios indígenas.

“Quando nossas crianças começam a frequentar a escola, para aprenderem todos os saberes, sofrem racismo e bullying e ouvem frase do tipo: “volta para o mato que é seu lugar”. Tenho conhecimento do caso de uma adolescente que foi obrigada por um professor a sair da sala de aula e ir a um banheiro para tirar o grafismo em sua pele, que faz parte de sua cultura. Com isso, hoje muitas crianças e jovens preferem não revelar suas origens indígenas para não sofrerem bullying nas escolas”, lamentou.

A Pajé Karirí-Sapuyá, Adriana Fernandes Carajá, lembrou de casos ainda mais dramáticos que retratam a crueldade que vitimiza crianças indígenas no País. “Lembro do caso de mães indígenas que foram separadas de seus bebês no Mato Grosso do Sul, nas etnias Guarani-Kaiowá e Terena. É preciso lembrar que sequestro de criança indígena é crime. Assim como é crime os casos de estupros de meninas indígenas de 13, 14 anos em garimpos ilegais. Também é preciso combater a subnutrição infantil, que leva os casos no Brasil de mortalidade e doenças evitáveis entre crianças indígenas a níveis das nações mais pobres da África”, denunciou.

Solução para os problemas

Vários representantes do governo federal e de entidades da sociedade civil manifestaram preocupação com a situação das crianças e adolescentes indígenas no País, principalmente pelo abandono do tema nos últimos anos pelo governo anterior. A Secretária Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Juma Xipaia de Carvalho, destacou que reverter essa situação é a principal missão da pasta criada pelo presidente Lula.

“A violência contra crianças e adolescentes é a extinção dos povos indígenas no futuro próximo. Se estão matando nossos jovens, que futuro teremos? Hoje elas não têm direito a tomar banho no rio, comer peixe ou mesmo se alimentar no peito de suas mães por conta da contaminação pelo mercúrio, fruto da ação dos garimpos ilegais. Muitas têm que sair de seu local de nascimento por causa da invasão de madeireiros, garimpeiros e grileiros. É preciso cumprir a lei com rigor para combater esses crimes e colocar em prática os direitos que são garantidos pela Constituição”, defendeu.

A representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Ana Claudia Cifal, lembrou que o artigo 227 da Constituição Federal garante atendimento prioritário das necessidades de crianças e adolescentes no Brasil. “As desigualdades devem ser levadas em consideração na aplicação das políticas públicas. Quanto mais vulnerável um setor, mais proteção ele deve ter na garantia de seus direitos. Esse é o caso das crianças indígenas”, atestou.

Plano Nacional dos Direitos das Crianças Indígenas

Deputada Juliana Cardoso presente à audiência pública. Foto: Gabriel Paiva

O representante do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania Assis da Costa Oliveira ressaltou que, apesar do cenário de tragédia herdado do governo anterior nas questões indígenas, o atual governo tem realizado missões emergenciais, como por exemplo a força-tarefa para atender as necessidades do povo Yanomami, Programa de Proteção a Crianças Ameaçadas de Morte, além de outras ações nas áreas da educação e saúde indígena.

No entanto, o representante da pasta destacou que o grande desafio da atual gestão é construir um Plano Nacional dos Direitos das Crianças Indígenas, Quilombolas e de Comunidades Tradicionais.

A deputada Erika Kokay também ressaltou que é preciso levar ao conhecimento do governo federal a coleta de denúncias e dados de violações de direitos indígenas realizados pelo Observatório dos Povos Originários e Suas Infâncias. Composto por especialistas, professores universitários e estudantes, o Observatório é coordenado pela professora da Universidade de Brasília Maria Lúcia Leal.

A deputada Juliana Cardoso (PT-SP) destaca que as crianças e adolescentes indígenas precisam de uma educação “diferenciada, específica e bilíngue”, que une os saberes tradicionais de cada povo às disciplinas curriculares convencionais. Conforme a parlamentar, essa é uma luta dos povos originários pelo direito à liberdade de ensino ao longo de décadas.

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Já a deputada Reginete Bispo (PT-RS) participou e presidiu parte da audiência pública conjunta das comissões de Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial; e de Legislação Participativa, na Câmara dos Deputados, sobre as violências cometidas contra crianças e adolescentes indígenas.

“Como representante do Rio Grande do Sul, estado que abriga diversas populações indígenas, reafirmo o compromisso de lutar pela garantia dos direitos desses povos, entre eles os Kaingang, Guarani, Xokleng, Charrua e muitos outros. Precisamos unir esforços para combater a violência e promover a dignidade e a justiça para todos os nossos irmãos e irmãs indígenas”, ressaltou.

 

Deputada Reginete Bispo participou da atividade na CDHMIR. Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Participaram ainda da audiência pública lideranças das etnias Guarani Mbya e Comunidade Catu dos Eleotérios, e representantes da Funai, do Centro de Referência Indígena-afro do Rio Grande do Sul e da Associação Indígena Hutukara.

 

 

 

 

 

Héber Carvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

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